
CRÍTICA
O SABER DE UM DESEJO
Por Djalma Andrade
O Homem se perde em suas dúvidas
para se encontrar em seus mistérios (Djalma Andrade).
Saber é poder! Tal asserção lhe suscita que tipo de sentimento? Para onde seus sentimentos podem te transportar? Para um passado? Uma possível estagnação no presente, no qual você nunca chegou, nem tampouco sentiu? Ou para um futuro fora de seu alcance?
O saber liberta! E agora, diante dessa afirmação, o que invade o seu espírito? Emoções ou ideias? O que é o saber? Ele liberta de quê? Quem ele liberta?
Se há um ponto em comum entre as religiões, este seria o seguinte: no início, Deuses e Homens compartilhavam do mesmo espaço físico e banqueteavam-se dos mesmos alimentos. Assim era na religião grega, no cristianismo, em algumas religiões africanas, dentre outras menos significativas à nossa cultura. Mas então, o que aconteceu? Aconteceu que o Homem foi privado da presença divina. Motivo? O humano desejou: desejou saber, desejou conhecer, desejou ser ele mesmo, autônomo. Nisso se configurou o primeiro e mais perigoso “erro” humano.
Parece-me que a ideia dos Deuses vingou e, disfarçadamente, ela encontra terreno fértil no campo das ciências; melhor, “Deusa ciência”. Quanto mais o Homem deseja se conhecer, os Deuses das ciências o distanciam de sua realidade. Novas teorias surgem e, com elas, surgem também técnicas capazes de ensinar o indivíduo a olhar para “dentro” de si. Nessa dinâmica, a alma humana se torna, cada vez mais, um quase objeto de “experiência”. O atemporal ganha nome: INCONSCIENTE. Estou falando do novo Paraíso, é nele que moram os Deuses que “dominam” a psique humana, moldando os passos e as ações de cada pessoa... a fragilidade humana foi anunciada.
Igualmente ao primeiro, o segundo Paraíso também pode ser acessado e, seguindo a infalível lei, a mesma promessa se estabelece: a libertação do pobre Ser temporal depende, em todo caso, de sua relação com o atemporal (inconsciente).
Os Deuses do primeiro Paraíso são tiranos e egoístas, existem e evoluem enquanto personagens desejadas. Os olhares desses Deuses têm uma só direção: para frente, para um future que Eles podem alcançar sem desejar, isso porque o tempo aí é regido pelo não passado, não presente, não futuro. Interessantemente, a ideia de Inconsciente, proposta por Sigmund Freud, bebe da mesma fonte, só que mais exigente: se no primeiro Paraíso o Homem se acorrenta por desejar a infinitude do vir a ser; no segundo, ele se perde por desejar o retorno à infinitude de um passado que um dia fora, que um dia sentira, que um dia desejara.
Nesse prisma de retorno, o olhar clínico torna-se perigoso. Ele não deseja, é o grande desejado. Desejado enquanto o guia todo-poderoso, que tem em suas “mãos” o mapa da alma humana. Possuidor de tamanho poder, transforma-se em violento. É violento à medida que desconhece os seus limites: a humanidade, que se perde em suas dúvidas para se encontrar em seus mistérios. O olhar da Psicologia passa longe disso, o seu direcionamento é para o como desnudar o ser humano de sua subjetividade. O Homem voltou ao jardim do éden, “está nu”.
A relação estabelecida nesse hemisfério é divinal: Deuses X pecadores. Aí, a Psicologia se distancia cada vez mais do humano, pois teme enxergar na humanidade de cada um as suas próprias limitações, assim o grande muro se ergue: de um lado os Deuses infalíveis e atemporais, do outro o simples sujeito, marcado na carne, ferido na alma... a tocar sua vida de gado.
Quanto a nós, bom... Quanto a nós finalizo assim: se um dia os primatas desceram das árvores, parece que o ser humano pra lá voltou. Precisamos por os pés no chão. Talvez esse seja o saber mais precioso, mais libertador. Precisamos por os pés no chão... por os pés no CHÃO.