A LIDERANÇA DE JESUS
CARACTERÍSTICAS DE UM LÍDER
Por Djalma Andrade
Um exército de ovelhas liderado por um leão derrotaria um exército de leões liderado por uma ovelha (Provérbio Árabe).
É improvável que se possa falar da festa sem que não haja a necessidade de mencionar o nome de quem dela está à frente. Pois é! Não posso falar da arte de liderar sem aludir a quem nela se tornou o modelo; a saber, Jesus de Nazaré.
Na arte de liderar, o nazareno não aderiu ao extraordinário revestido de fantasia. Ele simplesmente amou (amor agape). Segundo a observação do teólogo Latourelle, “em Jesus esse amor toma forma humana, coração humano.” [1] As pessoas O seguiam não porque Ele dizia ser o Filho de Deus, mas porque percebiam em suas ações a possibilidade de uma nova vida, a esperança, pois Ele
Chegara exatamente quando pesava sobre Israel o duro jugo romano depois dos anos terríveis da dominação grega. Havia muita inquietação. Muitas revoltas. Muitas intervenções violentas dos romanos. Verdadeiros massacres. O horizonte, às vezes, se pontuava de cruzes de vítimas da crueldade romana.[2]
É em meio a tal realidade que Jesus proclama alto e bom som: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa – Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano de graça da parte do Senhor”.[3] As pessoas ficaram encantadas ao toque mágico de tais palavras. Indubitavelmente, como ninguém, Ele soube usar as palavras certas, onde, por meios das quais, motivou e transmitiu esperança àquela gente; por conseguinte, mudou o rumo da História humana.
Imaginemos um líder que, mediante os estorvos, em vez de motivar sua equipe com palavras tais como: vamos lá pessoal, a hora é agora, o tempo nos é favorável... juntando nossas forças, podemos superar tudo, inclusive a nós mesmos; diz: está difícil, estamos na lama, e tudo indica que não sairemos dela tão cedo, mas vamos esperar para ver o que acontece... Para tanto, cabe a seguinte observação: há de se tomar cuidado com as palavras. Indubitavelmente, é incrível a força que elas possuem e, quando utilizadas adequadamente, podem reerguer uma nação; quando não as são, podem demarcar o fracasso de uma geração. Foi pensando nisso que o filósofo Habermas fez a seguinte observação: “de tudo aquilo que se pode dizer, que seja dito claramente; caso contrário, cale-se”.
Referência
[1] Latourelle. 1972, p. 508
[2] Libanio. 1998, p. 90
[3] Lc. 4, 18 - 19
A palavra humildade vem do latim – humus, que significa “filhos da terra”. Para falar de “terra”, os hebreus se valiam de dois termos: adamah – terra boa, produtiva; e midbar – terra ruim, não produz nada, sem serventia.
Da palavra “adamah” se deriva o nome Adão. Isso significa dizer que o Homem tem ligação direta com a terra boa, produtiva, que serve. Portanto, ser humilde é, antes de tudo, não perder o contato com a essência, isto é, com a condição de Homem servidor. Eis o motivo pelo qual, constantemente, Jesus chamava a atenção dos discípulos para o seguinte: “quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós, seja vosso escravo.”[1]
No episódio do “lava-pés”, nada se tem além da imagem de um Jesus humilde, relacionando-Se com sua condição de servidor:
Então Jesus se levantou da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Colocou água na bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando com a toalha que tinha na cintura. Chegando a vez de Simão Pedro, este disse: “Senhor, tu vais lavar os meus pés?” Jesus respondeu: “Você agora não sabe o que estou fazendo. Ficará sabendo mais tarde”. Pedro disse: “Tu não vais lavar os meus pés nunca!”[2]
Na época de Jesus, somente os escravos podiam lavar os pés de outra pessoa. Eis o motivo do espanto de Pedro. Ao lavar os pés dos discípulos, Jesus assume a condição de escravo – sclavus (do latim), que tem como sinônimo servidor.
Além de lavar os pés dos discípulos, Jesus também tira o manto. Há nisso uma simbologia: “a roupa é normalmente significativa. Ela indica a posição ou a função de alguém na vida: soldados, médicos, juízes, atletas e religiosos, todos usam roupas que revelam sua função na sociedade. As roupas geralmente expressam uma certa identidade, dignidade e autoridade. A roupa pode significar o status ou o lugar que alguém ocupa na sociedade. Os ricos usam determinados tipos de roupa, os pobres usam outro, os pedintes usam outro. Ao tirar o manto, Jesus se despiu de qualquer função ou status social”. Eis o princípio da humildade.
Ocupar “elevadíssimos” cargos, ter status... não constitui problema algum. Jesus tinha status. Todavia, ter status é uma coisa; ao status se apegar é outra. Quem a ele se apega, facilmente perde o contato com a sua condição de servidor: deixa de ser “adamah”, e se torna midbar, sem serventia, sem nenhuma utilidade.
Referência
[1] Jo. 20, 26 - 27
[2] Jo. 13, 4 - 8
Geralmente os diálogos se baseiam em perguntas e respostas. Constantemente estamos indagando e sendo indagados. No dia-a-dia de quem está à frente de uma equipe, tal questão é inevitável. Isso porque as pessoas precisam saber a quem estão seguindo, e as respostas que elas obtêm da pessoa do líder demarcarão a credibilidade do mesmo no grupo.
No âmbito da liderança, um bom líder é cônscio de que jamais pode fugir de um problema, ou nele se perder. Não encontrar resposta para uma determinada questão, ou tentar uma réplica e nela se “perder”, não significa incapacidade para respondê-la, mas antes, a incapacidade de ouvir a essência do que fora posto. Isso acontece porque, quase sempre, primeiro, o indivíduo se preocupa com a resposta: enquanto é indagado, concentra-se não no teor da questão que lhe está sendo apresentada, mas na formulação do que pode ser dito. Agimos assim porque queremos dar a resposta de forma imediata; quando assim não acontece, acreditamos estar passando a impressão de que nada sabemos a respeito da questão em pauta. É o famoso ditado: “se demorou a responder é porque não sabe”.
Jesus não tinha problema com isso. Ele sabia ouvir as pessoas e as questões que Lhe traziam. Constantemente os doutores da Lei tentavam apanhar Jesus em suas próprias respostas, para que assim tivessem um motivo para condená-Lo. Todavia, a habilidade que tinha Ele em escutar as perguntas formuladas por eles, Lhe possibilitava a formulação de respostas inteligentes, que faziam os indagadores se renderem. Com isso, o povo ficava maravilhado, pois sabia a quem realmente estava seguindo.
Vejamos algumas perguntas que fizeram ao nazareno e como Ele se comportara frente às mesmas:
"Chegaram os doutores da Lei e os fariseus trazendo uma mulher que tinha sido pega cometendo adultério. Eles colocaram a mulher no meio e disseram a Jesus: “Mestre, essa mulher foi pega em flagrante cometendo adultério. A lei de Moisés manda que mulheres desse tipo devem ser apedrejadas. E tu, o que dizes?” Então Jesus inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo. Os doutores da Lei e os fariseus continuaram insistindo na pergunta. Então Jesus se levantou e disse: “Quem de vocês não tiver pecado, atire nela a primeira pedra... Ouvindo isso, eles foram saindo um a um, começando pelo mais velho”.[1]
Em tal situação fica claro que a primeira preocupação do nazareno não consiste em responder a questão em pauta. Ele a ouve, depois se inclina e começa a escrever com o dedo no chão, gesto típico de uma pessoa que está digerindo uma questão, em busca de uma resposta a seu nível. A pergunta foi muito inteligente. Os doutores da Lei eram mestres nisso. E Jesus tinha a cabal consciência de que realmente se encontrava diante de uma pergunta capciosa, e qualquer descuido frente à mesma arruinaria de uma vez por toda a sua missão, pois se Ele falasse apedrejem-na, estaria se contradizendo, visto ter dito ao povo não ter vindo para condenar ninguém (Jo 12, 47). Se dissesse não a apedrejem, da mesma forma estaria se contradizendo, visto ter afirmado o seguinte: “Não pensem que eu vim abolir a Lei e os profetas. Não vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento. Eu garanto a vocês: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem sequer uma letra ou vírgula serão tiradas da Lei”.[2] E agora? A situação na qual os doutores da Lei colocaram Jesus me faz lembrar do seguinte ditado: “fui pego com as calças nas mãos”. Todavia, o nazareno não foi pego com as calças nas mãos (um bom líder assim nunca o é pego). Em sua resposta Jesus não diz que “sim” nem tampouco diz que “não”, simplesmente Ele foi preciso: “Quem de vocês não tiver pecado, atire nela a primeira pedra”.
Com tal resposta Jesus não se contradiz, mas isso porque Ele soube escutar e refletir sobre o teor da pergunta que Lhe fora feita. Além disso, Ele tinha outra característica que é peculiar a um bom líder: nunca esquecer o que diz frente a sua equipe. Justamente para que, futuramente, não corra o risco de se contradizer.
As pessoas se contradizem porque se esquecem do que outrora disseram. Quando indagado pelos doutores da Lei, é provável que Jesus tenha pensado em possíveis respostas, porém Ele sabia que nenhuma poderia contradizer o que outrora dissera. Imagina se Ele não se lembrasse que havia dito não ter vindo para condenar e nem para abolir a Lei?
Apesar do insucesso obtido na primeira pergunta, os doutores da Lei não desistiram e estavam mesmo dispostos a pegar Jesus em suas próprias palavras. Então, assim que oportuno, formularam outra pergunta:
Então as autoridades mandaram alguns fariseus e alguns partidários de Herodes para apanharem Jesus em alguma palavra. Quando chegaram, disseram a Jesus:
“Mestre, sabemos que tu és verdadeiro, porque não dás preferência a ninguém. Com efeito, não levas em conta as aparências, e ensina de verdade o caminho de Deus. Dize-nos: é lícito ou não pagar impostos as César? Devemos pagar ou não?” Jesus percebeu a hipocrisia deles, e respondeu: “Por que vocês me tentam? Tragam uma moeda para eu ver”. Eles levaram a moeda, e Jesus perguntou: “De quem é a figura e a inscrição que está nessa moeda?” Eles responderam: “é de César”. Então Jesus disse: “Pois devolvam a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. E eles ficaram admirados com Jesus.[3]
Eles sabiam que o nazareno escutava e depois refletia a questão, para depois dar a resposta. Não tinham dúvida alguma sobre a inteligência de Jesus. Portanto, precisavam, antes de fazerem a pergunta, distraí-Lo. E a forma pela qual tentaram fazer isso foi através dos elogios: “mestre, sabemos que tu és verdadeiro, porque não dás preferência a ninguém. Com efeito, não levas em conta as aparências, e ensina de verdade o caminho de Deus”. O plano dos fariseus foi perfeito. Como já falei acima, eles eram muito inteligentes. Só que a inteligência deles esbarrava em Jesus; o nazareno não se deixou levar pelos elogios, outra característica de um bom líder. Quem se deixa levar por elogios, fica cego ente a realidade e nada pode sentir além de um ego inflado dentro de si.
Como modelo que era e que é na arte de ouvir, Jesus percebeu no ato a malícia dos fariseus: “Por que vocês me tentam?” Jesus é consciente do grau da pergunta, e mais uma vez o sucesso de sua missão está em jogo: “o imposto era o sinal da dominação romana; os fariseus a rejeitavam, mas os partidários de Herodes a aceitavam. Se Jesus responde ‘sim’, os fariseus O desacreditarão diante do povo; se Ele diz ‘não’, os partidários de Herodes poderão acusá-Lo de subversão”. E então, o que fazer? Ele estava diante do povo e de seus seguidores, que certamente esperavam também uma resposta. Portanto, se nada responde, pode perder a credibilidade. Mas uma vez pegaram-No “com as calças nas mãos”. Pegaram não! E em sua resposta Ele não diz que “sim” nem que “não”: “Devolvam a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” significa dizer que “Jesus não discute a questão do imposto. Ele se preocupa é com o povo: a moeda é ‘de César’, mas o povo é ‘de Deus’. O imposto só é justo quando reverte em benefício do bem comum. Jesus condena a transformação do povo em mercadoria que enriquece e fortalece tanto a dominação interna como a estrangeira.”
Diante de tal resposta, “eles ficaram admirados com Jesus”. Isso é o bastante para que se possa entender que não são as respostas acompanhadas de longos discursos que vão impressionar ninguém. Se você quer impressionar a sua equipe, tornar-se bem visto e respeitado por ela, escute as suas questões, reflita-as e dê uma resposta acima do esperado.
Na universidade, quando cursava Teologia, peguei uma disciplina chamada Filosofia da Religião, cujo professor, além de ser teólogo e vice-diretor do Instituto de Teologia da Universidade Católica da Bahia, era doutor em filosofia; a saber, o padre Genival Bartolomeu Machado. Em uma de suas aulas, ele proferiu o seguinte: “quando fazemos uma pergunta, é porque sabemos da resposta”. Os doutores da Lei sabiam que a resposta era “sim” ou “não”, todavia o nazareno supera as expectativas deles e responde acima do nível da pergunta. Eis a questão pela qual ficam admirados. Como não ficar?
Apesar da admiração, não se convenceram de que suas habilidades na formulação de perguntas esbarravam no nazareno. Por fim, vejamos outra formulação de pergunta dos “habilidosos” em tal competência:
"Jesus e os discípulos foram de novo a Jerusalém. Jesus estava andando no Templo. E os chefes dos sacerdotes, os doutores da Lei e os anciãos se aproximaram dele. Perguntaram: ”Com que autoridade fazes tais coisas? Quem te deu autoridade para fazer isso?” Jesus respondeu: “Vou fazer uma só pergunta. Respondam-me, e eu direi com que autoridade faço isso. O batismo de João vinha do céu ou dos homens? Respondam-me”. Eles comentavam entre si: “Se respondemos que vinha do céu, ele vai dizer: ‘Então, por que vocês não acreditaram em João?’ Devemos então dizer que vinha dos homens?” Mas eles tinham medo da multidão, porque todos consideravam João como verdadeiro profeta. Então eles responderam a Jesus: “Não sabemos”. E Jesus disse: “Pois eu também não vou dizer a vocês com que autoridade faço essas coisas”.[4]
Os chefes dos sacerdotes, os doutores da Lei e os anciãos faziam parte da elite, eram os detentores do poder na época de Jesus. O sumo sacerdote ocupava um lugar central na vida do povo. Era selecionado entre as famílias que possuía mais poder e riqueza. Aos doutores da Lei ou escribas, como eram chamados, cabia o papel do ensino, pois eram verdadeiros “intelectuais”, e a sua vida era dedicada ao estudo da Lei de Deus. Portanto, o povo dependia deles para observá-La; os anciãos ou chefes do povo, como eram conhecidos, exerciam o papel de líderes locais, nas aldeias e na cidade.
São essas pessoas, revestidas de poder, que se aproximam de Jesus para perguntar. Elas recorrem às autoridades que possuem para intimidar o nazareno (diga-se de passagem, quem não se intimidaria?), no entanto Jesus não se intimidou frente a eles. O bom líder não se intimida com nada: ele é firme e concentrado em si. Se assim não o for, como é que ele vai passar segurança para sua equipe?
Concentrado em si, e com o dom de ouvir que Lhe era peculiar, o nazareno escuta a pergunta e percebe que as autoridades preparam uma armadilha para desmoralizá-Lo diante do povo. Mas Jesus é esperto (outra qualidade que não pode faltar na pessoa de quem lidera) e usa o mesmo truque: se as autoridades responderem, elas é que ficarão desmoralizadas, e se não responderem, ficarão desmoralizadas do mesmo jeito.
Em sua louvável sutileza, Jesus nada diz a respeito do que Lhe fora perguntado. Simplesmente o que Ele faz é inverter a situação: de indagado passa a indagador. Até aquele momento, havia dado “corda” aos doutores da Lei, porém havia chegado a hora de mostrar quem de verdade estava no controle. Com isso, Jesus silenciou as autoridades, e os seus discípulos ficaram impressionados com a forma pela qual Ele fez isso.
O bom líder dá “corda” às pessoas, mas no momento certo ele faz questão de mostrar quem realmente está no controle. Isso ele o faz na sutileza que lhe é peculiar, visto que não precisa esbravejar com ninguém para mostrar “poder”, pois ele sabe que só demonstra “poder” quem não o tem.
Referência
[1] Jo. 8, 3-7
[2] Mt. 5, 17-18
[3] Mc. 12, 13-17
[4] Mc. 11, 27-33
Na arte de liderar, ninguém conduz pessoas, conduz “visões”. O papel do líder é justamente fazer com que sua equipe enxergue do melhor ponto possível.
O nazareno tinha uma relação muito estreita com as montanhas. Quer para orar, quer para ensinar, lá estava Ele. No sermão sobre as bem-aventuranças, por exemplo, é nela que, juntamente com seus discípulos e o povo, Ele se encontra (Mt 5, 1-12).
Na teologia, a relação de Jesus com as montanhas ganha um caráter simbólico: a montanha, por ser um ponto alto, possibilita uma ampla visão onde se consegue enxergar além da realidade. Levar o povo à montanha é, antes de tudo, um convite a sair da “visão rasteira”, a qual nada produz além da cegueira humana. Eis a questão pela qual o nazareno diz ter sido enviado para “proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista”.[1] Não se trata da cegueira física, mas antes da cegueira provocada pelas ideologias, a qual confina o indivíduo ao mundo escuro das aparências.
Antes mesmo de Jesus, o filósofo grego Platão já havia se voltado para tal questão. E para falar da cegueira humana ele dividiu o mundo em dois, a saber, mundo sensível e mundo inteligível: no primeiro, segundo Platão, as pessoas são como os escravos presos e acorrentados numa caverna, coagidas a ver no fundo dela a sobra dos seres e objetos. Aceitam tais sombras por verdade porque não conhecem a verdadeira realidade; no segundo, isto é, o mundo inteligível, as pessoas recuperam a visão. Nele, elas não enxergam a sombra da verdade, mas contemplam a essência da realidade. Aqui, as pessoas são caracterizadas por uma visão que consegue ver além da realidade que lhes norteia.
Nesse sentido, Jesus se distingue de Platão no seguinte ponto: Platão fala da “visão”, Jesus faz ter a visão. Eis um líder completo. Na arte de liderar, o líder nunca diz o que está vendo: antes ele leva sua equipe a enxergar aquilo que ele vê. Se ele consegue agir dessa forma, fará também que as pessoas façam de boa vontade aquilo que o pede.
O líder é alguém que enxerga além dos horizontes, enxerga o futuro. Caso contrário, como pode ele investir em negócios, se não consegue prever resultados? No cerne da liderança a palavra aventura não existe. O líder que aventura deixa de ser reconhecido com tal, visto que aventurar é, antes de tudo, perder o controle da situação, e isso não o é permitido a quem está à frente de um grupo.
Em sua missão, Jesus jamais perdeu o controle da situação, mas isso devido a sua habilidade para prever resultados e acontecimentos. Ele sabia o que ia acontecer a cada tempo. Para tanto, cabe dizer que o nazareno não era um adivinho, e nem tampouco era favorecido por vozes do além informando-Lhe sobre o que iria acontecer. Antes de tudo, é preciso entender que Ele viveu num espaço geográfico onde se relacionava com o meio, como qualquer outra pessoa. Ele mesmo não concebia nada de supranatural às suas obras, tanto assim que, ao perceber a admiração dos discípulos por causa das mesmas, disse que eles podiam fazer melhor do que Ele fazia.
O nazareno previa os acontecimentos dos fatos porque realmente tinha “visão”, a qual Lhe possibilitava enxergar além da realidade aparente.
Ele estava ciente de que seria julgado e condenado à morte, entretanto era sabedor também de que, independentemente do que estava para acontecer, conduziria a sua missão até o fim: mesmo sabendo que seria morto em Jerusalém, é Ele quem toma a iniciativa de ir para lá; no monte das oliveiras, ao perceber os chefes dos sacerdotes, os oficiais da guarda do Templo e os anciãos se aproximando para prendê-Lo, não toma a postura de dominado, ao contrário, com suas firmes palavras, Ele os domina, convidando a refletir sobre suas fraquezas, alimentas por falsos poderes: “Vocês saíram com espadas e paus, como se eu fosse um bandido? Todos os dias eu estava com vocês no Templo, e nunca puseram as mãos em mim. Mas esta é a hora de vocês e do poder das trevas”.[2]
Frente a Pilatos, quando interrogado, Ele fala e responde quando quer, e quando Pilatos diz ter autoridade para soltá-Lo ou condená-Lo, a “ousadia” de alguém que está no controle: “Você não teria nenhuma autoridade sobre mim, se essa não lhe fosse dada por Deus”.[3] Pilatos então se cala.
Na cruz, é o próprio Jesus quem decide a hora de morrer: as pessoas que eram crucificadas na véspera da páscoa geralmente tinham sua morte antecipada, pois por ser a páscoa uma festa muito solene para os judeus, eles evitavam que os corpos ficassem na cruz em tal dia. Então eles pediram que Pilatos mandasse antecipar a morte dos crucificados e os tirasse da cruz. Os soldados foram e assim o fizeram com todos, porém quando se aproximaram de Jesus, viram que Ele já estava morto.
Possuidor de uma visão que Lhe permitia enxergar além da realidade aparente, o nazareno previa os fatos e se preparava para eles, fator pelo qual manteve o controle da situação e conduziu sua missão até o fim, sem precisar fugir de ninguém, nem mesmo da morte.
Fugir ou se deixar dominar por situações significa, antes de tudo, ser pego de surpresa por elas, e isso é o reflexo de uma “visão” que não consegue enxergar além do que se pode ver. Um líder sem “visão” pode ser comparado a um barco à vela: a depender do vento ele pode ir para qualquer lugar, inclusive a lugar nenhum.
Referência
[1] Lc. 4, 18
[2] Lc. 22, 52-53
[3] Jo. 19, 11
Em todo caso, pensamos que estamos vivendo. Engano! É a vida que está passando por nós. Viver não é tarefa fácil, contudo uma só coisa é preciso para tal: inverter o quadro; ou seja, não é a vida que tem de passar por nós, mas nós que temos de por ela passar. O interessante não é parar para assistir ao “espetáculo” da vida, mas nela ser o próprio “espetáculo”.
Igualmente tal questão pode ser aplicada aos princípios da liderança. Para um líder, o interessante não é liderar, mas fazer de sua liderança um “espetáculo” na arte de conduzir pessoas. Para isso, há de se ter “ousadia”. Um líder “ousado” desafia seus limites, vai onde ninguém pensa ir, diz o que ninguém jamais teria coragem de dizer. Tendo recursos ou não, ele faz o que tem de ser feito do mesmo jeito. Para tanto, o que temos na multiplicação dos pães senão a audácia de um líder que resolve o problema a partir do que tem?
"A tarde vinha chegando. Os doze apóstolos se aproximaram de Jesus e disseram: “despede a multidão. Assim eles podem ir aos povoados e campos vizinhos para procurar alojamento e comida, porque estamos num lugar deserto”. Mas Jesus disse: “Vocês é que têm de lhes dar de comer”. Eles responderam: “Só temos cinco pães e dois peixes... A não ser que vamos comprar comida para toda essa gente!” De fato, estavam aí mais ou menos cinco mil homens. Mas Jesus disse aos discípulos: “Mandem o povo sentar-se em grupos de cinqüenta”. Então Jesus pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu, pronunciou sobre eles a bênção e os partiu, e ia dando aos discípulos a fim de que distribuíssem para a multidão. Todos comeram."[1]
Primeiro Jesus manda os discípulos resolverem o problema (logo se nota que a questão não tem nada a ver com o sobrenatural), mas percebe que estão limitados aos recursos. Então Ele chama a responsabilidade para Si e mostra como se faz. Eis a ação de um líder “ousado”. Uma vez detectado o problema, não espera que caiam recursos do céu para agir. Ele age a partir do que tem (dois peixes e cinco pães), e faz a coisa acontecer. Milagre? Não, “ousadia” mesmo!
Usarei quatro definições para caracterizar o desempenho de uma equipe:
· Ruim
· Mais ou menos
· Bom
· Excelente
Se o desempenho de uma equipe é caracterizado pelo primeiro ponto, tudo que se pode dizer dela é que não tem um líder; se é mais ou menos, deduz-se que tem alguém à sua frente, mas que não é um líder; se o desempenho for bom, diga-me quem é o líder; mas se é excelente, convide-me para assistir ao espetáculo.
Referência
[1] Lc. 9, 12 - 17
No cerne da liderança há espaço para tudo, menos para um líder que age para ser reconhecido. Nada é tão temporário do que um líder que busca se evidenciar, isso porque quando não consegue tal proeza, ele mesmo é o primeiro a não se reconhecer como tal.
Liderar não é arrancar aplausos dos liderados; antes é tornar visível a importância do líder frente à equipe. “A grandeza não consiste em receber as honras, mas em merecê-las” (Aristóteles). Como ninguém, o nazareno soube conduzir tais questões:
Jesus apareceu aos discípulos na margem do mar de Tiberíades. E apareceu deste modo: Estavam juntos Simão Pedro, Tomé chamado Gêmeo, Natanael de Caná da Galiléia, os filhos de Zebedeu e outros discípulos de Jesus. Simão Pedro disse: “Eu vou pescar”. Eles disseram: “Nós também vamos”. Saíram, e entraram na barca. Mas naquela noite não pescaram nada. Quando amanheceu, Jesus estava na margem. Mas os discípulos não sabiam que era Jesus. Então Jesus disse: “Rapazes, vocês têm alguma coisa para comer?” Eles responderam: “Não”. Então Jesus falou: “Joguem a rede do lado direito da barca, e vocês acharão peixe”. Eles jogaram a rede e não conseguiam puxá-la para fora, de tanto peixe que pegaram. Então o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor”.[1]
Esse episódio ficou conhecido como a “pesca milagrosa”. Nele há quatro questões a serem discutidas: 1) os discípulos ignoram a presença de Jesus e se lançam a serviço por iniciativa própria; 2) Jesus observa tudo tranquilamente, e vê que eles não obterão sucesso na atividade (equipe nenhuma consegue sem a presença do líder), e então aguarda pacientemente o retorno deles; 3) os discípulos retornam, e continuam a ignorar a presença de Jesus. Então Jesus, sabendo que eles não haviam pegado nada, lança uma pergunta irônica: “Rapazes, vocês têm alguma coisa para comer?” 4) Jesus manda que eles joguem a rede (detalhe, não em qualquer direção, mas à direita da barca: o bom líder não sai “atirando” para tudo que é lado), eles Lhe obedecem e realizam o que não conseguiram durante toda a noite. Depois disso, eles reconhecem a presença de Jesus, isto é, a importância dEle no grupo.
Mediante tal acontecimento, Jesus mantém a postura: não esbraveja e nem tampouco vê sua liderança ameaçada. Ao contrário, Ele deixa que os discípulos façam a experiência, para depois fazer com que eles percebam o seguinte: a equipe que age sem estar unida à pessoa do líder não produz nada, pois não conhece o modo correto de realizar a ação. No momento em que se segue a voz do líder, o resultado do trabalho surge positivamente.
A liderança de Jesus não se baseava no autoritarismo. Em muitos casos, Ele preferia deixar seus discípulos fazerem a experiência, a ficar gritando em seus ouvidos: não façam isso, assim vai dar errado... escutem-me, acaso não percebem que sou mais inteligente do que vocês todos juntos? Não. Jesus não precisou se expor ao ridículo para conduzir sua equipe. Ele simplesmente a conduziu com toda elegância que lhe era peculiar, e que não pode faltar a quem está à frente de uma equipe.
Referência
[1] Jo. 21, 1-7
Um líder sabe o que realmente lhe interessa, e jamais se contenta com resultados medíocres. Para tanto, eis o que Jesus diz a Pedro: “Avance para águas mais profundas, e lancem as redes para a pesca”.[1]
Pescar por pescar, se pesca em qualquer lugar do mar, porém a qualidade dos peixes depende da profundeza das águas. No raso, nada se encontra além de piabas. No fundo, estão os peixes grandes. Jesus não quer piabas. E então manda que Pedro avance em busca do melhor que o mar tem para oferecer.
É claro que Jesus está fazendo uma alusão à vida. Dela se obtém o medíocre quem na mediocridade permanece (margem), ao passo que o melhor é reservado aos que avançam e vivem-na intensamente.
Além de tudo, esse episódio nos revela a determinação de um líder que, uma vez ávido da excelência, parte a sua busca. Às margens ele está seguro, livre de ondas e tempestades. Mas não é aí o seu lugar (a segurança é o refúgio dos “fracos”). Ele é forte e acredita piamente que “por trás do combate feroz do vento e das nuvens a intocada estrela” (Alexei Bueno).
Referência
[1] Lc. 5, 4
ELE ROMPIA OS VELHOS PARADIGMAS
É bom que um líder não tenha inimigos, mas se tiver, que estes sejam os paradigmas. Quem a eles se apega perde o poder de decidir, não somente a respeito de si, mas também da realidade que lhe pede uma resposta. Os padrões que se estabelecem às coisas antecipam a decisão que se tem de tomar sobre algo ou do caminho a fazer: tudo já está decidido. É a velha história: “sempre foi assim, e assim o será”. As pessoas que assim agem geralmente são caracterizadas pela sua resistência a mudanças e nunca tomam a iniciativa para nada.
Jesus passava por cima de tudo isso e rompia com velhos costumes que padronizavam as formas de viver:
Jesus deixou a Judeia e foi de novo para a Galileia. Jesus tinha que atravessar a Samaria. Chegou, então, a uma cidade da Samaria chamada Sicar, perto do campo que Jacó tinha dado ao seu filho José. Aí ficava a fonte de Jacó. Cansado da viagem, Jesus sentou-se junto à fonte. Era quase meio-dia. Então chegou uma mulher da Samaria para pegar água. Jesus lhe pediu: “Dê-me de beber”. (Os discípulos tinham ido à cidade para comprar mantimentos). A samaritana perguntou: “Como é que tu, sendo Judeu, pedes de beber a mim que sou samaritana?”[1]
Por questões de raça, costumes e adorações religiosas, os judeus nutriam um ódio milenar pelos samaritanos. O ódio era tanto que a pronúncia da palavra “samaritano”, em si, soava como um insulto para os judeus; mais ainda, eles não entravam na Samaria (território dos samaritanos), caso precisassem sair da Judeia para a Galileia. Preferiam tomar o caminho três vezes mais longo a tomar o que passava pela Samaria, que era o mais perto.
Por tudo, eis o motivo do espanto da samaritana. Jesus acabara de romper com paradigmas milenares: além de entrar na Samaria, Ele fala com uma samaritana, um mulher, para completar (não era comum um homem se dirigir a uma mulher). Para os Judeus, o que Jesus fez foi um absurdo. Mas Jesus simplesmente só queria chegar à Galileia, e para isso decidiu tomar o caminho que Lhe era conveniente, ou seja, mais perto. Em sua caminhada, sentiu sede, e não eram os costumes que padronizavam as relações que iriam decidir se Ele deveria matar sua cede ou não. Até então as coisas aconteciam de tal maneira, mas o nazareno decidiu que a partir daquele momento não as seriam mais assim. E então rompe com os “velhos paradigmas”.
As respostas prontas são perigosas. Quem por elas opta, jamais decidirá pelo melhor “caminho”. E no momento em que mais precise, pode acontecer de não poder contar com a pessoa certa, aquela que, somente ela é apta a resolver uma determinada situação. Portanto, o líder que se deixa guiar por paradigmas perde o poder de decisão e, por conseguinte, as características das quais precisa para liderar.
Referência
[1] Jo. 4, 3-9
O desempenho de uma equipe reflete o modo de pensar de seu líder. O êxito alcançado pela equipe do nazareno é, antes de tudo, o reflexo do modo pelo qual Jesus pensava. Ele pensava alto e fazia o que pensava poder fazer. Contudo, a cura do paralítico nos dá a entender que realmente as suas obras eram fruto de um pensamento que não Lhe impunha limites:
Disse Jesus: “Homem, seus pecados estão perdoados”. Os doutores da Lei e os fariseus começaram a pensar: “Quem é esse, que está falando blasfêmias? Ninguém pode perdoar pecados, porque só Deus tem poder para isso!” Jesus percebeu o que eles estavam pensando. Tomou a palavra e disse: “Por que vocês pensam assim? O que é mais fácil? Dizer: ‘Seus pecados estão perdoados’. Ou dizer: ‘Levante-se e ande?’ Pois bem: para vocês ficarem sabendo que o Filho do Homem tem poder para perdoar pecados, - disse Jesus ao paralítico: - eu ordeno a você: Levante-se, pegue a sua cama, e volte para casa”. No mesmo instante, o homem se levantou diante deles, pegou a cama onde estava deitado, e foi para casa.[1]
Tudo que temos aqui é uma questão ideológica: na época de Jesus, o sistema religioso nutria um pensamento que dizia serem as deficiências físicas, em geral, consequências do pecado, isto é, se alguém nascesse paralítico era porque alguém da família havia pecado, geralmente os pais. Quando Jesus cura um cego, por exemplo, seus discípulos Lhe perguntam: “Mestre, quem foi que pecou, para que ele nascesse cego? Foi ele ou seus pais?” Jesus respondeu: “Não foi ele que pecou, nem seus pais”.[2]
No caso do paralítico, o que Jesus discute não é a questão de ter poder para perdoar pecados ou não. Ele aponta para outra questão: a maneira pela qual as pessoas pensam: “Por que vocês pensam assim?” Tudo que se tem, nesse caso, é um conflito entre as maneiras de se pensar: enquanto o pensamento das pessoas se confinava às ideologias, o de Jesus ia além de tudo isso. Pensando além da mediocridade, Jesus tem o controle de toda a situação. Com isso, percebe que o homem não tem nada, o seu problema é puramente ideológico. Então manda que ele se levante e vá para casa.
O episódio do paralítico é, antes de tudo, uma ilustração para mostrar que os passos que damos na vida dependem muito da nossa forma de pensar. As pessoas que pensam “pequeno” se tornam facilmente reféns das ideologias. Assim sendo, são tomadas por uma paralisia e não conseguem chegar a lugar algum com suas próprias pernas.
A alienação na qual tais pessoas vivem levou um psicanalista a fazer uma louvável observação a respeito do filme Cidade de Deus:
A primeira seqüência do filme mostra a preparação de um almoço. Três cenas focadas: uma faca sendo afiada, a degola de um frango e o olhar de uma galinha que consegue escapar. Uma longa seqüência de perseguição – que será retomada no final do filme – termina com o encontro da galinha com Buscapé. O que significa fazer dos objetos e dos animais testemunhas dos acontecimentos..? Quem deveria observar a cena era um ser humano e não uma galinha. Pode-se pensar que fazer uma coisa ou um animal ser testemunha dos acontecimentos significa que os homens não podem testemunhar – seja porque estão alienados de sua situação e não sabem o que ver, seja porque estão impedidos de ver.[3]
Sem comungar do sistema altamente alienante, Jesus pensava alto e observava toda a realidade. Eis a questão pela qual Ele chegava onde ninguém ousava chegar, e fazia o que ninguém jamais pensara fazer (só Deus pode perdoar pecados). Esse é o retrato de um homem que, com sua forma de pensar, dividiu a História em duas: antes e depois de Cristo.
Referência
[1] Lc. 5, 20-25
[2] Jo. 9, 2-3
[3] Belo. 2004, pp. 78/79
Dentre as ações que caracterizam a missão de Jesus, uma delas consiste em oferecer a libertação. O próprio Jesus diz ter sido enviado por Deus para proclamar a libertação aos presos (Lc 4,18-19).
A palavra libertação significa “salvação” – em grego, solteria – quer dizer “saúde”. Em outras palavras, Ele viera trazer a saúde às pessoas, todavia uma saúde espiritual, isto é, da alma. Jesus não se preocupava com o vigor físico, pois pensava ser este uma consequência da vitalidade da alma (alma sã, corpo são). De fato, a patogenia (parte da patologia que se ocupa da origem das doenças) diz que grande parte das doenças tem origem na psique humana, ou seja, na alma.
Os gregos, além de utilizarem o termo psique para se referir à alma humana, também se valem do termo ânima. Daí se originam os termos animado (com alma, vivo) e inanimado (sem alma, morto). Destarte, quando dizemos que uma pessoa está desanimada, estamos dizendo que ela está sem alma. Em tal situação, o indivíduo é caracterizado por um estado de morte. É como se seus pés e mãos estivessem atados: nada produz e para nada se move.
Em sua liderança, Jesus não consentia que as pessoas vivessem em tal estado. No episódio de Lázaro, por exemplo, o evangelista João diz que Ele se comove com a situação na qual Lázaro se encontrava (Lázaro estava morto espiritualmente), e como bom líder que era, buscou resolver o problema de seu amigo: “Lázaro, saia para fora!” O morto saiu. Tinha os braços e as pernas amarrados com panos e o rosto coberto com um sudário. Jesus disse aos presentes: “Desamarrem e deixem que ele ande”.[1]
Em outras palavras, o que Jesus diz é o seguinte: Lázaro, ânimo! Onde está a vida existente em você? Vamos, coloque-a para fora! As pernas e os braços amarrados e o pano sobre o rosto simbolizam a triste condição de uma pessoa que se desanimou ante a vida: com as pernas e braços atados, ninguém produz nada, e nem tampouco vai a lugar algum. Consequentemente, perde também a identidade de pessoa (rosto coberto).
Jesus pede que os presentes desamarrem Lázaro e deixem que ele ande, entretanto não pede que descubram seu rosto. Como se sabe, o rosto é a identidade do sujeito. Então Jesus se vale de uma simbologia para dizer que a identidade da pessoa é construída a partir do momento que ela começa a “andar” com suas próprias pernas, isto é, que se anima para uma nova vida. Quanto mais ela cultiva essa vida, tanto mais a sua identidade aparece.
Por ser formado por pessoas, todo grupo tem uma identidade própria, e os resultados de seus feitos dependem do ânimo de cada componente. De uma equipe animada não se pode esperar outra coisa senão resultados brilhantes. De brilhantes líderes... bom, destes nada se pode esperar senão a incrível habilidade que lhes é inerente, a qual consiste em colocar vida em tudo que fazem, de animar a todos que conduzem.
O bom líder é como as formigas. As formigas preferem gastar todas as suas energias estocando alimentos durante o verão, a ter de gastá-las conduzindo um inverno sem energias.
Referência
[1] Jo. 11, 43 - 44
ELE ENXERGAVA QUALIDADE NAS PESSOAS
Jesus formou uma equipe. E para isso, Ele deu preferência a pescadores. Numa sociedade altamente dividida, onde os intelectuais eram superestimados, os pescadores se tornavam figuras “invisíveis” no meio social. Pois que privilégio pode ter alguém que só aprendera pegar peixes? Ademais, como valorizar uma profissão que, aparentemente, não “exige” do intelecto? Por tudo, que qualidade pode ser percebida numa pessoa que ganha a vida lançando rede ao mar?
O olhar pelo qual Jesus enxergava as pessoas e a realidade diferia do olhar social. Jesus não escolheu pescadores por pena deles, isto é, por serem os “coitadinhos”. Um bom líder não age desse modo. Se Ele os escolheu é porque viu na pessoa de um pescador qualidades importantíssimas, indispensáveis à sua missão. Com isso, é louvável que vejamos as qualidades de um pescador e que, de certo modo, não pode faltar à pessoa de um líder:
· Capacidade de concentração;
· Capacidade de observação;
· Flexibilidade;
· Capacidade de organização;
· Agilidade;
· Disciplina;
· Responsabilidade;
· Boa visão.
Eis as tantas qualidades que Jesus enxergou na pessoa dos pescadores. Assim, o nazareno viu neles a possibilidade de formar grandes líderes, e então os chama e, durante a sua missão, vai fazendo isso acontecer. Realmente Ele os transformou em líderes. É um pouco o que dissera Michelangelo: “eu vi o anjo no mármore e esculpi até que o libertei”.
ELE ACREDITAVA NAS PESSOAS
No texto anterior, falei que Jesus formou sua equipe dando preferência aos pescadores; no entanto, entre estes, havia um que não era pescador, e sim cobrador de impostos; a saber, Mateus.
Os cobradores de impostos eram mal vistos pela sociedade. A eles era concebida a imagem de uma pessoa sem caráter, que roubava o povo. De certo modo, a sociedade tinha a sua parcela de razão, pois os cobradores de impostos eram realmente desonestos em sua atividade.
Contudo, Jesus não se ateve a isso. E chama Mateus para compor a sua equipe. Mediante isso, a postura do nazareno é sugestiva. E aponta para um Jesus que está decidido a apostar na pessoa e em sua transformação.
Além de apostar na transformação da pessoa, Jesus assumia o compromisso para ajudá-la em tal processo. E isso nos é dado com maior clareza no que segue:
Então os discípulos de João se aproximaram de Jesus e perguntaram: “Nós e os fariseus fazemos jejum. Por que os teus discípulos não fazem jejum? Jesus respondeu: “Vocês acham que os convidados de um casamento podem estar de luto enquanto o noivo está com eles? Mas chegarão dias que o noivo será tirado do meio deles. E aí então eles vão jejuar. Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo repuxa o pano, e o rasgo fica maior ainda. Também não se põe vinho novo em barris velhos, senão os barris se arrebentam, o vinho se derrama e os barris se perdem. Mas vinho novo se põe em barris novos e assim os dois se conservam”. [1]
De certo modo, a pergunta dos discípulos de João é procedente. A prática do jejum era observada com rigor pela religião judaica. Os fariseus, por exemplo, jejuavam duas fezes na semana. Para Jesus, isso não fazia muito sentido, pois os fariseus se esforçavam para observar a prática do jejum, mas deixavam de lado a prática do amor.
Para Jesus, o jejum só é válido quando acompanhado pela prática do amor. Em outras palavras o nazareno (noivo) diz aos discípulos de João que os seus seguidores (convidados) não jejuam porque o tempo não é de jejuar, mas de aprender a jejuar. A preocupação maior de Jesus é com a transformação de seus discípulos. Pois uma vez transformados (barris novos), eles serão capazes de receber, entender e praticar o amor. Eis a questão pela qual Jesus diz que não se coloca vinho novo em barris velhos. Na religião judaica o vinho tem caráter simbólico, e significa o amor.
Não adianta oferecer uma nova vida, caso as pessoas ainda estejam presas às velhas formas de viver, à antiga mentalidade. Antes de tudo, faz-se necessário a transformação. E, como ninguém, Jesus acreditou na transformação de seus seguidores, tanto assim que Ele não hesitou em dizer: “chegarão dias que o noivo será tirado do meio deles. E aí então eles vão jejuar”, ou seja, estarão prontos (transformados) para uma nova vida, a qual se pauta na prática do amor. Todo líder tem que amar a sua equipe.
[1] Mt. 9, 14 - 17