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Prazer: do leite ao esperma

Por Djalma Andrade

É claro que devemos refutar toda e qualquer postura que tem por escopo generalizar o saber a cerca de algo. Mas isso não deve, de forma alguma, intimidar o nosso olhar investigativo sobre o que nos chama a atenção pelo seu caráter de repetição em organismos diversos. De fato, é interessante, aqui, nos ocuparmos com o ato da amamentação, e aí visualizar que o comportamento dos bebês se repete. Igualmente, não precisamos fazer esforços para reconhecer que no coito as formas de sentir prazer são quase sempre localizadas, sem muita variação de um casal para o outro. Essas duas premissas nos levam a uma investigação do coito como uma possível extensão do primeiro contato do indivíduo com o prazer.

Na órbita de nossa concepção, é muito natural que concebamos o apoio do bebê em sua mãe. O pai da psicanálise, Sigmund Freud, assim também o vê. Todavia, Garcia-Roza (2009, p. 100) adverte que o apoio a que se refere Freud não é o da criança na mãe, mas o da pulsão sexual em outro processo não sexual, sobre uma das funções somáticas vitais... Essa função somática vital, que possui uma fonte, uma direção e um objeto específico, é o próprio instinto. O modelo dessa função somática vital tomada por Freud é o da amamentação do lactente. Nesse primeiro momento, o objeto específico não é, como apressadamente poderíamos supor, o seio da mãe, mas o leite. É a ingestão do leite, e não o sugar o seio, o que satisfaz a fome da criança. Portanto, em termos instintivos, a função de sucção tem por finalidade a obtenção do alimento e é este que satisfaz o estado de necessidade orgânica caracterizado pela fome. Mas, ao mesmo tempo em que isso ocorre, ocorre também um processo de natureza sexual: a excitação dos lábios e da língua pelo peito, produzindo uma satisfação que não é redutível à saciedade alimentar apesar de encontrar nele o seu apoio.

Em os três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905, v. VII, p. 186) Freud pontua: “Os lábios da criança, a nosso ver, comportam-se como uma zona erógena, e sem dúvida o estímulo do morno fluxo do leite é a causa da sensação de prazer”.

Tomando como base esse percurso, podemos concluir, sem esforços, que a primeira experiência do indivíduo com a sensação de prazer está relacionada ao leite, e a primeira zona a propor tal sensação é a oral, isto é, a boca. É difícil não conceber que essa dinâmica, pioneira na formação da psique humana, não ganhe dimensão na vida adulta, nas relações aí peculiares. E, uma dessas relações, pelo seu caráter dual, de nudez, fantasioso e sexual, pode ser ligada ao coito.

Não nos deve ser espantoso a fantasia pela qual grande parte dos homens sente maior prazer ao ejacular na zona oral de sua parceira. Estaria, o esperma, associado ao leite materno e, por isso, ejacular na zona oral da mulher se traduz em uma tentativa inconsciente de dizer que leite na boca dá prazer? Em uma discussão com uma colega de curso, Suyan Maia, sobre o assunto, ela propunha outra questão: “não poderia ser também um desejo inconsciente de se colocar no lugar daquela que dá o leite?” De certo, as duas questões fazem sentido, e a primeira sustenta a segunda. Para melhor expormos as justificativas, voltemos à relação criança leite: se o leite na boca propõe prazer, a falta do mesmo causa desprazer (fome).  Para Melanie Klein, é nesse contexto de presença e ausência do leite que o bebê faz sua primeira experiência do bom e do ruim, do bem e do mal (vejamos, aqui, presença e ausência do leite como presença e ausência da mãe). Nessa linha de pensamento, ser aquele (mãe) que possui o leite surge como uma solução ao desprazer. O desejo de possuir o leite é tão profundo que a criança repete, em seu dedo, um gesto de sucção similar ao da amamentação.

 Se no coito os homens sentem maior prazer em ejacular na zona oral de suas parceiras, estas, em sua maioria, têm fantasia pela qual preferem que essa ejaculação seja nos seios, onde sentem maior prazer. O cientista e médico ginecologista, Elsimar Coutinho, sempre fala, em suas entrevistas na televisão, que a “fêmea” só abre as pernas se poder engravidar. Em outras palavras, o sentido do coito para a mulher não é o mesmo que o do homem, e está voltado para a prole e a manutenção da mesma. O prazer não consiste no ato sexual, mas na segurança que daí se extrai como manutenção à procriação. Desse modo, o leite como fonte de prazer se situa nos seios, principais geradores de alimento e, por conseguinte, garantia de satisfação à prole. O prazer da mãe está no prazer do filho, a satisfação do filho é a satisfação da mãe. Desse modo, no rol dessa fantasia que, inconsciente, pode associar esperma ao leite materno, a ejaculação na região dos seios tem maior sentido à natureza materna.

Vale ressaltar que essa aproximação do esperma ao leite não se prende a uma posição imaginativa ou especulativa, se assim prefere. Não nos esqueçamos de que, na ordem instintiva ou não, o leite e o esperma se inscrevem como fonte primária da vida.

Vimos, nesse curto caminho de trabalho, que as primeiras ações (instintivas ou não) do bebê participam da formação da psique humana, e se repetem, de forma mais variada, por meio de fantasias ou não, ao longo da vida adulta.

Referência

 

GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o inconsciente. 24 ed. Rio de Janeiro, Ed. Jorge Zahar, 2009.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud.  Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. VII, Ed. Standart Brasileira. 

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