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MÍDIA

A REDE EXTRAORDINÁRIA

                                                                                                                 Por Djalma Andrade

Em minhas travessuras de criança, quase sempre eu era punido por minha mãe. Às vezes, quando ela não estava a fim de me punir, colocava as mãos na cintura e dizia: “você é mesmo extraordinário”. De certo, eu não entendia muito bem o que isso queria dizer. Mas prá que entender? Naquele momento, tudo que me importava era saber que havia escapado de uma punição.     

            Aos poucos eu fui deixando de ser criança e não precisei de muito tempo para descobrir que extra-ordinário é tudo aquilo que se põe fora da ordem, do comum. O extraordinário não era eu, e sim a minha mãe. Ela tinha em suas mãos o poder de me punir sem que eu sentisse. Todo corpo acostumado a “apanhar” não sente dor. Ele escuta a dor.

Em uma reportagem da rede globo de televisão, apresentada no Jornal Bom dia Brasil, exibido no dia 21.03.012, dei-me conta de que a idade não cessa a punição. Ela atinge a todos, porém cada um em seu tempo, a partir de seu “pecado”. O termo pecado significa errar o alvo. A expressão surgiu na Grécia Antiga com os arqueiros: toda vez que um deles errava o alvo, dizia: cometi um hamartáno, isto é, um pecado.

Na reportagem, os portadores de síndrome de Down foram os novos escolhidos, os novos errantes do alvo.  A matéria foi sensacional, e o fato considerado extraordinário: uma portadora de síndrome de Down havia passado no vestibular, para fotografia. Um espanto! Na fala da repórter, a sutileza de uma mãe em punição: “é um fato que nos chama a atenção porque os portadores de tal síndrome têm dificuldades para aprender”. Recentemente um rapaz pobre também chamou a atenção da mesma emissora: ele passou no vestibular para medicina. Teria também, o pobre, dificuldades para aprender?  

No caso da estudante, o foco da reportagem não foi a conquista, mas o que ela fez pra chegar lá. Ela precisava se justificar, o vestibular não fora o suficiente. Extraordinário! Ela falou pouco, mas falou o suficiente: “eu tive muito amor, é preciso ter amor”. O suficiente para traduzir o que quis dizer Renato Russo no trecho da música monte castelo: “é só o amor que conhece o que é verdade”.

Não se trata simplesmente de uma portadora de síndrome de Down. Trata-se, sobretudo, de uma pessoa que descobriu a sua verdade e não as verdades sobre ela.     Tais verdades têm em suas mãos o poder de punir sem ocasionar qualquer sentimento de dor. Esse tipo de dor não se sente, mas se escuta no silêncio do não dito, na impossibilidade de acertar o alvo.   A rede é mesmo extraordinária.

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