
ESCOLA
NAS LINHAS DA FANTASIA
Por Djalma Andrade
Na peleja de meu lento raciocínio, transporto chumbo por um tempo indeterminado. O peso me faz flutuar. Acredito que um dia os primatas desceram das árvores, mas as suas fantasias permaneceram lá, flutuando de galho em galho, longe do alcance humano.
Ir ao interior é um programa que me fascina. Poder transitar nas famosas feirinhas, compostas de pessoas simples, é uma escola. Nessa escola, observar o encontro entre amigos me faz imaginar um primata que acabara de encontrar o galho mais adequando, o mais aconchegante para uma tarde de sono: aí não mora a pressa. Mas voltemos para o chão da feirinha. Nele, eu me deparei também com a angústia: ela estava nos olhos de uma criancinha, que acompanhava apreensiva a indecisão dos pais que discutiam se compravam ou não um carrinho de madeira para ela. As mãos da pobre criança falavam. A justificativa do pai para não comprar era de que ela não iria saber brincar com aquele tipo de brinquedo. Por um instante, a criança que há em mim roubou a cena, aproximou-se do pai e disse: coloque o brinquedo nas mãos de seu filho e tudo mais ficará por conta de suas fantasias. Existe um saber brincar?
A minha entrada na escola foi mágica. Uma semana antes de eu ingressar na mesma, meu pai me deu um estojo contendo um caderno, uma borracha, uma lapiseira (apontador) e, é claro, um lápis preto. Não podia haver caneta. Isso era coisa para adulto. Mas isso pouco me importava. O lápis de madeira me bastava. Fora tirado da árvore e aí eu podia tocar todas as fantasias. Todo mundo queria ver o que eu havia escrito; todo mundo achava lindo, não havia erros. O tempo passou, e eu ganhei uma caneta, e, com ela, a primeira ressalva: “agora você não pode mais errar”. E lá se foi o mundo da árvore. Tiraram-me dele bruscamente, sem o direito de dizer adeus, estou indo embora.
Com o passar do tempo, o tempo chato da caneta também passou. Que bom! O mundo digital está aí. Nele, a ressalva do mundo da caneta não existe: toda possibilidade de erro é deletada. Estaríamos voltando ao mundo da árvore? Não! Infelizmente não estamos. Enquanto houver pessoa com o poder de decidir quem escreve bem ou mal, não podemos pensar no mundo da árvore. O que é escrever mal? Existe um saber escrever? Não! Não existe. Tudo que existe é ideia na cabeça e fantasia nas mãos: manipule as letras, brinque com as palavras; essa é a melhor linha para quem não deseja transportar chumbo por tempo indeterminado. O peso me faz flutuar.