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COMPORTAMENTO E PSICOLOGIA

A CIGARRA E O CHATO

Por Djalma Andrade
 

 



Freud sempre se preocupou com coisas simples, característica dos gênios: achar o novo no que todo mundo vê, mas que não enxerga. Entre suas simplicidades, ele escreveu dois artigos em 1908 que sempre me chamaram a atenção pelo tema que abordam e que assim eu resumiria: por que tem tanta gente chata no mundo, aquela que começa a contar um caso e já vai dando sono, e tem gente interessante que, contando a mesma história nos desperta e interessa?

 


 

Sou coagido a voltar à minha vida simples que ficara imêmore na riqueza da infância pela qual, ligeiramente, um dia passei: as viagens ao sítio de meu pai, onde a minha mãe sempre tinha explicações lendárias para o funcionamento da Natureza. O meu olhar era lendário. Mas esse tempo se foi e, por conseguinte, com ele também se foi o meu olhar, o meu olhar lendário, o original, o mais verdadeiro. Tal olhar me permitia enxergar nos acontecimentos simples o porquê das coisas. Às vezes isso não era bom; pois, quase sempre, me suscitava uma espécie de desconforto, em outras palavras, era intrigante, talvez não quanto à cigarra . Ela me intrigava de verdade. O som produzido por seu canto era estridente e sem intervalo. Era um canto chato que perdurava o dia. Certa vez eu perguntei a minha mãe por que a cigarra não parava de cantar. Ela me disse que as cigarras não podem parar de cantar, cantam até explodir. Isso me intrigou mais ainda, bem mais do que a chatice da cigarra.


E a cigarra continua a me intrigar; pois, apesar de o seu canto ser estridente, ela não o escuta: as cigarras se protegem contra o volume intenso de seu próprio canto. Tanto o macho como a fêmea dessa espécie de insetos possuem um par de grandes membranas que funcionam como orelhas. Elas são os tímpanos, conectados ao órgão auditivo por um pequeno tendão que reage ao insistente e chato canto, que só serve para os outros.

Um chato quando abre a boca é chato. Todos têm que ouvir o barulho estridente de sua voz, que esbanja inteligência. Ele é o intelectual em pessoa; sua beleza humilha qualquer Deus grego... é o mais bonito, é charmoso, um sedutor e tanto, Dionísio encarnado. A sua feiúra aparece apenas na chatice de que todos fogem, mas ele não a percebe; pois, embebido de sua vaidade, não consegue escutar a sua própria voz, as tolices que diz. Ele não para de falar e nem pode parar de falar, tem um ego a inflar... inflar até explodir. Por mais brilhante que seja um caso, quando contado por um chato perde o brilho... dá sono, pois o chato se protege do encanto de suas histórias e das histórias alheias, ele é o próprio encanto, encantado e encantador.

O coitado do chato não encanta nem tem encanto, tem a “verdade”, é arrogante. A arrogância está intimamente ligada à vaidade. A palavra “vaidade” vem do latim “vanus”, que quer dizer “vão”, o vazio, o sem conteúdo. Assim é o chato.

 

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