
Comportamento: Traição amorosa
Por Djalma Andrade
No rol da infidelidade amorosa, a concepção psicanalítica aponta que desejos de infidelidade, no homem e na mulher, são corriqueiros e, em grande parte, são tolerados devido às “convenções sociais”, que têm função de tornar essa ameaça inofensiva (revista mente e cérebro, nº 166, p.62/63).
Quando a antropóloga Mirian Goldenberg entrevistou 1.279 homens e mulheres de classe média carioca para seu livro Por que homens e mulheres traem?, uma coisa ficou clara: quando os homens traem, eles atribuem a infidelidade à questões relacionadas à masculinidade; quando as mulheres traem, elas justificam apontando faltas do parceiro. Ou seja, independentemente de quem trai, a culpa sempre recai sobre o homem.
Mirian diz que uma das coisas que descobriu nesses vinte anos de pesquisa é que o homem é sempre culpado. Não só porque socialmente e culturalmente ele tem uma legitimização e até incentivo da infidelidade, mas também pelo fato de as mulheres não poderem adotar o discurso da traição pelo desejo. No entanto, elas traem, e bastante, é quase empatado. Em termos de comportamento sexual – iniciação, infidelidade, número de parceiros – homens e mulheres estão muito próximos. Mas isso não se reflete no discurso, que é onde os dois se refugiam, já que a linguagem é uma forma de as pessoas se colocarem no padrão” (Mirian. 2010).
Para entender melhor, vale a pena ver a lista de motivos apontados pelos entrevistados. Do universo inicial da pesquisa, 60% dos homens e 47% das mulheres disseram que já foram infiéis. O ranking de razões deles começa com “crise no casamento” e “crise pessoal”. A partir daí, seguem mais 50 justificativas, quase todas classificam a traição como uma consequência da masculinidade, por exemplo: “natureza masculina”, “essência masculina”, “genética”, “machismo” e “índole”, aponta a antropóloga.
Ainda segundo a antropóloga, a lista delas é bem diferente. Nenhuma das razões apresentadas pelo público feminino coloca a mulher como causadora da infidelidade. Pelo contrário. O rol é aberto com “insatisfação com o parceiro” e “defeitos do parceiro”, e segue numa variação sobre o mesmo tema, em que chama a atenção uma impressionante sequência de 25 justificativas iniciadas por “falta”: “falta de comunicação”, “falta de romance”, “falta de tesão”, “falta de elogios” e até “falta de tudo”.
“Tem um sofrimento de inadequação dos dois lados, e às vezes o do homem é maior. Se a mulher se sente mal de um lado, de outro eles não têm um discurso de vítima para referência”, explica a antropóloga. “Tem muito homem que não quer trair. Quem quer trair é o poligâmico, mas muitos não são assim” (ibidem).
A cobrança feminina está diretamente ligada ao que ela chama de “miséria subjetiva” das mulheres brasileiras. Isso significa que, em nossa sociedade, “um bom marido” é visto como definidor do valor da mulher. “O marido é um capital, e você tem que conquistar seu valor sendo ‘única’. O teu valor está sob fiança do fato de você ter ou não um homem. Aqui, se você for bem-sucedida e ganhar milhões, vai ouvir 'ah, mas ela não tem filhos nem marido'", afirma Mirian.
Com toda a expectativa do valor delas nas costas deles, é compreensível que isso acabe em frustração. “As mulheres têm muito esse discurso, como se ela fosse a coisa mais maravilhosa do mundo. Tem uma defasagem e uma fantasia feminina de achar que ela é a coisa mais especial que existe e que aquele cara pode completar todas as faltas. Aí ela pode se frustrar muito rápido. Você não é tão especial assim”, provoca Mirian. "É isso que gera comentários e padrões do tipo 'ai, mas se usar pochete não dá'” (ibidem).
Com ou sem infidelidade, o mais comum é que exista um terceiro elemento na relação: o amigo. O círculo de amizades tem um peso enorme na formação da identidade masculina, inclusive na solidificação de conceitos, como a infidelidade ser ou não parte do homem. A lista de justificativas apresentadas no livro de Mirian está cheia de pistas dessa importância – além dos objetivos “pressão dos amigos” e “competição com os amigos”, os entrevistados do sexo masculino apresentaram uma série de frases feitas para justificar o comportamento extraconjugal, como “não dá para comer arroz com feijão todos os dias” e “a carne é fraca”, típicas de discursos de rodinhas de marmanjos.
Na parte da pesquisa em que a antropóloga pergunta sobre o número de parceiras, 100% dos homens responderam que se julgavam fora da média, ou seja, que tinham tido menos mulheres do que os demais brasileiros. Nenhum entrevistado acha que é normal. Todos têm um “amigo que pegou mais mulher” (ibidem)
“Para eles, o amigo é o ponto da comparação, então eles sempre têm um amigo que é melhor que eles. Mesmo o que diz que transou com cem mulheres tem um amigo que diz que transou com 200, e esse tem um que transou com 300”, explica Mirian. Uma curiosidade para quem sempre tem um amigo que transou mais: a média de parceiros ao longo da vida é de doze para os homens e oito para as mulheres.