
A renúncia do Papa Bento XVI
Por Djalma Andrade
Não faz muito tempo, circulou, nas redes sociais, uma foto do Papa Bento XVI, sentado em sua cátedra (cadeira) toda ornamentada de ouro. Tal postagem tinha como título a seguinte frase: “vendei tudo e dai aos pobres”. Essa frase me conduz a uma resposta de Jesus a Judas, que quis impedir que Maria Madalena lavasse os pés de Jesus com o perfume de nardo, puro e muito caro; alegando que ela deveria vender o mesmo e dar o dinheiro aos pobres: “Deixe ela, no meio de vós sempre haverá pobres” (Jo 12 – 8). De certo, não sabemos a que tipo de pobre Jesus se refere, mas a circunstância na qual a resposta é dada, fica aberto às interpretações, e uma possível interpretação é que o pobre do qual Jesus se refere não está relacionado à carência de bens materiais.
O olhar de Judas é antagônico ao olhar de Jesus. Como ninguém, Judas representa a sociedade mercadológica, da troca, onde a miséria se torna um bom e grande negócio às mentes ambiciosas da classe “dominante”. Em nome da miséria, políticos se tornam semideuses, empresários triplicam seus lucros, em acordos governamentais...
Não nos esqueçamos de que Judas fora o traidor. E essa é a imagem do Homem contemporâneo: traidor de si mesmo. Traímos os reias valores de uma verdadeira amizade, e o que podemos vislumbrar a partir de então não vai além de relações fluidas, pautadas em interesses sem bride, onde a troca é o grande motor da vez. Traímos a nossa privacidade em busca de fama, do status, do brilhantismo e dos aplausos... é o mundo humano que se abre a visitação, e o valor do mistério que há no outro reduziu-se a nada. Destarte, tornamos-nos seres pobres naquilo que mais nos enriquece, a saber, a nossa subjetividade.
No bojo de tudo isso, não me foi estranho que a mídia, de modo geral, adotasse como frase principal o que segue: “a renúncia do papa chocou o mundo”. E chocou! Chocou porque não se trata de um simples não ao papado; mas sim de um não a tudo aquilo que o Homem contemporâneo busca como valor primordial: não ao poder; não ao status; não ao brilhantismo; não à fama; não aos aplausos; não à sociedade do discurso e do espetáculo; não...
Talvez Bento XVI não tenha vendido tudo, conforme o pedido mercadológico que circulou nas redes sociais, mas renunciou a tudo e se doou de exemplo aos “pobres”. Quiçá, para a sociedade do espetáculo, isso não seja muito. E não pode ser. Pois se trata de olhares antagônicos: Jesus X Judas. E é Justamente por isso que comentários estúpidos, sem sentido, feitos por meia dúzia de ignorantes, pesam sobre Bento XVI e sua renúncia.
Certamente esse Papa não será santo, mas prá que ser santo quando se pode ser mais? E ele foi. Foi o representante de Cristo que mais se aproximou de Jesus, que se doou para denunciar um estilo de vida que vem destruindo o ser humano e sua dignidade. A renúncia de Bento XVI é sim um convite a refletirmos sobre o que defendemos como valor primordial... é, antes de tudo, um convite a sairmos da pobreza visionária. É claro que você pode fazer suas interpretações, mas a minha é essa.