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PSICANÁLISE

ANÁLISE  DO CASO CLÍNICO ANA "O"

                                                                                                            Por Djalma Andrade
Resumo

 
Com a intenção de contribuir para a fundamentação do trabalho docente, o presente estudo tem por escopo fazer uma abordagem sobre o Caso Clínico “Anna O”. Para tanto, é de nosso foco as queixas iniciais e histórico do Caso, levando em consideração a evolução clínica e o desfeche da análise. Além disso, far-se-á necessário uma atenção a pontos outros tais como: pontos clínicos que não foram percebidos pelo Breuer; amor e transferência; conceito de transferência e transferência de Freud a Lacan.
Palavras – chave: Psicanálise, Anna O, Transferência, Neurose.

Introdução
 
Falar do Caso Clínico “Anna O” implica considerar a complexidade da qual o mesmo se reveste. Complexidade essa que exige de nós um olhar mais acurado. Assim, estamos diante de um Caso Clínico onde a paciente, como é de se prever, dá início ao tratamento terapêutico, e aí o seu histórico de vida, que também envolve o familiar, é fundamental, pois é justamente nele que a análise encontrará um sentido, um ponto de partida. Além do mais, faz-se preciso também no que concerne à evolução clínica e desfeche do Caso, onde se certifica a eficiência da fala no processo terapêutico. No Caso Anna O, descoberta tal como esta constitui o fastígio da Psicanálise, e procedimentos outros como, por exemplo, a hipnose vão se juntando às práticas de caráter inconveniente. Apesar de todo êxito obtido, podemos verificar que determinados procedimentos terapêuticos se tornaram um entrave ao andamento do Caso Anna O, tornando o processo mais longo e menos previsível. Nesse aspecto, a negação da sexualidade da paciente, por exemplo, carece, nesse caminho a ser trilhado, de maiores considerações. É atendendo a essa analogia que envolve acerto e desacerto, aceitação e negação que verificaremos a importância do amor de transferência e do conceito de transferência não somente no Caso Anna O, mas para a Psicanálise em si, no tratamento das neuroses e, por conseguinte, do paciente num todo.


 

Caso 1 – Srta. Anna O.


 

Na ocasião em que adoeceu, em 1880, Anna O tinha vinte e um anos de idade. Antes disso, em todo o seu período de crescimento, ela apresentara comportamento normal e profícuo quadro de saúde. Possuidora de um estimável intelecto, trazia consigo uma personalidade marcada pela afabilidade, que fugia de toda e qualquer natureza que pudesse apontar uma menina neurótica. Apesar de todo vigor que lhe era peculiar, Anna O “respirava” a monotonia característica de seu ambiente familiar, marcado pela mentalidade puritana. “Embelezava sua vida de um modo que provavelmente a influenciou de maneira decisiva em direção à doença, entregando-se aos devaneios sistemáticos que descrevia como seu “teatro particular””.


 

Queixas iniciais


 

Suicídio; Tussis nervosa; Afonia; Nervosismo.
 
Na perspectiva de Breuer e Freud, o curso da doença enquadrou-se em várias fases nitidamente separáveis:

(A) A Incubação latente. De meado de julho até cerca de 10 de dezembro de 1880. Essa fase da doença costumava ficar omissa para nós; mas, nesse caso, graças a seu caráter peculiar, foi-nos completamente acessível; esse fato, por si só, traz um apreciável interesse patológico para o caso... (B) Doença manifesta. Uma psicose de natureza peculiar, com parafasia, estrabismo convergente, graves perturbações da visão, paralisias (sob a forma de contraturas) completa na extremidade superior direita e em ambas as extremidades inferiores, e parcial na extremidade superior esquerda, e paresia dos músculos do pescoço. Redução gradual da contratura nas extremidades da mão direita. Alguma melhora, interrompida por um grave trauma psíquico (a morte do pai da paciente) em abril, depois do que se seguiram: (C) Um período de sonambulismo persistente, alternando-se subseqüentemente com estados mais normais. Grande número de sintomas crônicos perduraram até dezembro de 1880. (D) Cessação gradual dos estados e sintomas patológicos até junho de 1882.

Posto isso, é de nosso saber que o relato em construção pede continuidade. Para tanto, somos sabedores de que os pontos abordados até então, a lugar algum nos levarão sem que inclinemos o nosso olhar a pontos outros, os quais compreendem o histórico do caso e, por conseguinte, da própria paciente. Pois é justamente a partir daí que poderemos entender, não somente as queixas inicias da paciente, mas também a evolução clínica do caso e o desfeche do mesmo.


 

Histórico


 

Em pleno fastígio de sua neurose, a paciente construiu um histórico de reações e debilitação considerável. A paralisia, de certo modo, ditava os poucos movimentos de seu corpo. Na alucinação que lhe era peculiar, partes de seu corpo (as cabelos) se confundiam com serpentes. A amnésia, aos poucos, encontrava lugar na vida de Anna O, e a parafasia encurtara não somente a sua fala, como também todo um vocabulário oriundo de vários idiomas. Toda essa riqueza de conteúdo esbarrara nas palavras que, com muito esforço, proferia num Inglês empobrecido. Às tardes a paciente adentrava num estado de sonolência significante, e durava cerca de uma hora depois do pôr-do-sol. Dominada pela doença, experimenta, talvez, o trauma mais significante de sua vida: a morte do pai. Com isso, o quadro da paciente só se intensifica, e se antes não se alimentava bem, a partir de então, é notória a sua recusa aos alimentos de qualquer natureza.


 

Durante o dia, temos uma paciente irresponsável, perseguida por alucinações, ao passo que à noite temos uma moça com mente inteiramente lúcida. Mas isso não era o bastante, e as circunstâncias apontavam uma Anna marcada pelo afeto de angústia, o qual dominava seu distúrbio psíquico. Nessa defasagem psíquica, surgem fortes impulsos suicidas. Dentro desse cenário ainda temos uma paciente que desenvolveu a tussis nervosa e afonia.
 
Evolução clínica


 

A evolução clínica passa pelo crivo da história de vida da paciente. Para tanto, o suscitar de tal história abriu caminho para se chegar a um desfeche positivo do caso. Foi a partir dos relatos da paciente que Breuer passara a entender a origem de cada comportamento da paciente, mas que isso, a manifestação dos sintomas em si. Todos os sintomas desapareciam depois de ela descrever sua primeira ocorrência; como o da tussis nervosa, por exemplo: “começou a tossir pela primeira vez quando, certa feita, sentada à cabeceira do pai, ouviu o som de música para dançar que vinha de uma casa vizinha sentiu um súbito desejo de estar lá e foi dominada por auto-recriminações. A partir de então, durante toda a sua doença, reagia a qualquer música acentuadamente ritmada com o tussis nervosa”.


 

Desfeche do caso


 

Chegando ao desfeche do caso, chegamos também ao êxito do mesmo. Além disso, no término do caso, podemos verificar descobertas significantes no curso da Psicanálise. Descobertas tais como a cura pela fala.

 

Em suma, o desfeche do caso nos dá uma paciente curada. Assim, dá-nos, a partir do Caso Anna O, a realidade da mente humana, que se desenvolve e se fixa num raio de opostos, onde a fragilidade se confunde com força, a cura com a doença, o trauma com a fala, a angústia com o contentamento, o passado com o presente.
 
Pontos clínicos não percebidos na paciente pelo analista


 

· A sexualidade da moça fora negada;


     · O amor de transferência da paciente para com Dr. Breuer, que fora interpretado como sendo uma mera afinidade.


     · No início o analista ficou indeciso, ora afirmava ser uma coisa, ora afirmava ser outra.



Sobre o amor de transferência


 

No âmbito analítico, ou seja, na relação se estabelece entre paciente e analista, o amor de transferência é uma repetição estereotipada inscrita no sujeito, dispostas a ressurgir quando se lhes dá ocasião. Em outras palavras, o amor de uma paciente por seu analista não é pelo analista em si, mas pela sua própria fantasia que é despertada por um determinado traço do analista. Nessa mesma esfera, segundo Freud, o amor de transferência tem o seu protótipo na infância, desse modo, ainda segundo o mesmo autor, tal amor em nada se difere do amor conjugal.


 

Sobre o conceito de transferência e transferência de Freud a Lacan
 
O conceito de transferência tem singular importância na esfera da Psicanálise. Pois somos sabedores de que a transferência ocupa lugar decisivo no processo terapêutico. Isso porque ela é em si, a atualização da realidade do inconsciente. Desse modo, não nos é estranho que seja denominada, na esfera psicanalítica, a mola mestra da cura. É de igual importância dizer também que “a transferência, em sentido psicanalítico, se produz quando o desejo se aferra a um elemento muito particular que é a pessoa do terapeuta”. (Miller, Jacques – percurso de Lacan, p. 59). Nesse aspecto, o que diferencia o pensamento freudiano do lacaniano não são as ideias em si, mas os termos que ambos utilizam para falar da mesma coisa: enquanto Freud denomina o terapeuta como sendo o sujeito particular, Lacan se atém ao sujeito suposto saber, sendo o mesmo o “pivô no qual se articula tudo o que se relaciona com a transferência”. (Ibidem, p. 56).

 
Na perspectiva freudiana, a transferência é a repetição de protótipos oriundos da infância. De onde emana um deslocamento de afeto de uma representação para outra. A partir de então, a relação do indivíduo no âmbito familiar pode ser recordada (revivida) na relação que se estabelece com a pessoa do analista, marcada pelas ambivalências pulsionais: ódio e amor. É justamente aqui que Freud defende duas modalidades de transferência distintas: positiva (transferência de sentimentos ternos) e negativa (transferência de sentimentos hostis). Dentro dessa lógica, Freud entende que a transferência pode ocorrer de maneiras diversificadas, cada uma emaranhada em seu significado original: transferência de sentido; de repetição; de resistência; de sugestão e neurose de transferência.


 

Na esfera psicanalítica, todas têm singular importância. Desse modo, entendemos que na transferência ocorre a substituição do que não pode ser dito, e no lugar da recordação se alude à repetição. Assim, a transferência tem valor justamente “porque permite ver o funcionamento de um mecanismo inconsciente na própria mentalidade da sessão. Por isso Freud pode aconselhar, a todo terapeuta que esteja começando, que interprete somente quando a transferência já teve início, pois a emergência da transferência assinala que os processos inconscientes foram ativados.” (Miller, Jacques – percurso de Lacan, p. 62). A partir de então, podemos assegurar que “a transferência freudiana é o momento em que o desejo do paciente se apodera do terapeuta, em que o psicanalista – não sua pessoa – imanta as cargas liberadas pelo recalque”. (Ibidem, p. 60).


 

Na contribuição de Lacan, temos a confirmação de que a transferência e o inconsciente estão concatenados. Lacan afirma que a transferência é um fenômeno que atualiza a realidade inconsciente, modificando as relações do sujeito com seu inconsciente. Mais ainda, Lacan descreve a transferência como uma experiência dialética daquilo que chamamos de desejo em si: “um discurso onde o assujeitamento do sujeito ao significante de sua demanda se transfere em subjetivação disto que causa seu desejo”. (Dicionário de Psicanálise: Freud & Lacan. Salvador, Ba; Ágalma, 1997, vol. 1, p. 277).


 

Observamos que, no seminário XI, Lacan alude à estrutura do inconsciente que não pode se separar da presença do analista, pois esta, segundo o autor, é a própria manifestação do inconsciente: “o analista, na medida em que opera com a cura psicanalítica, não é exterior ao inconsciente do paciente. (Miller, Jacques – Percurso de Lacan – p. 60).




 

Por isso e por tudo que foi abordado até aqui, não podemos nos inclinar de uma conclusão que nos coloque a par de afirmações assertivas, que traduzem o olhar da psicanálise a respeito de um termo que o denominamos de transferência: “A transferência é esse ponto em que o inconsciente como efeito do discurso organiza o sujeito, que se constitui numa vacilação entre uma alienação no Outro, aos significantes desse Outro, e uma separação que não pode se dar senão repetindo as demandas e levando em conta o desejo. É assim que nesse ponto se faz um movimento de abertura e de fechamento, um movimento de dinâmica e de resistência, cuja energia é sustentada pelo desejo”. Dicionário de Psicanálise: Freud & Lacan. Salvador, BA: Ágalma, 1997. vol. 1, p. 293).

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