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PSICOLOGIA E COMPORTAMENTO
RELAÇÕES NO AMBIENTE DE TRABALHO
Por Djalma Andrade
Dentre as muitas maneiras pelas quais poderia dar início a este texto, acredito, piamente, ser a frase de John Donne a que mais se acopla ao que pretendo escrever. O conteúdo de tal frase consiste na afirmação de que “nenhum Homem é uma ilha”. Em outras palavras, o ato de se relacionar caracteriza o ser humano.
A História humana não se deu ao esmo. O fato de hoje podermos relatar o sucesso de nossa espécie nos confere a certeza de que as relações humanas é o fastígio do agir.
Na idade primitiva, mediante a hostil realidade peculiar àquela época, os nossos ancestrais sabiam que a sobrevivência passava pela apreciação do agir. Dentro de tal contexto, pode-se inferir que a primeira e mais imperiosa ação humana foi perceber a necessidade de se juntar. Os nossos remotos, na luta pela sobrevivência, se uniram, compartilharam perdas, dores e sofrimento, mas também compartilharam conquistas. Com isso, cunharam o que hoje conhecemos como Relações Humanas; ademais, tornaram-se referenciais em tal competência.
Mediante o que acabara de ser exposto, como pensar a “vida” de uma empresa sem antes aludir ao relacionamento entre funcionários, cliente funcionário, empresa cliente? Antes de debater tais questões, sou impelido a içar outra: o que, de verdade, implica um bom relacionamento?
Para que se urda um comentário de ordem plausível a respeito das questões acima, tem-se como ponto de partida a seguinte afirmação: ninguém é obrigado a gostar de ninguém.
Dentro de uma empresa é muito comum, para justificar sua deficiência na relação entre seus colegas de trabalho, o indivíduo dizer que não é obrigado a gostar de ninguém. Em si, tal afirmação não é falaciosa, porém se torna inválida quando associada à disposição às relações interpessoais. O apreço que tem uma pessoa por outra não serve para determinar a eficiência das relações entre ambas, mas sim, sem dúvidas, o grau de respeito de uma para com a outra.
Se por um lado podemos dizer que não somos obrigados a gostar de ninguém, até mesmo porque é natural que tenhamos as nossas preferências e simpatia a uns, ao passo que a outros não, por outro lado, torna-se inaceitável dizermos que não somos obrigados a respeitar ninguém. Para tanto, não se pode pensar em respeito sem antes aludir a três fatores: espaço, limitação e papel.
Espaço
Uma das explicações pela qual se tenta explicar o motivo pelo qual o galo canta de madrugada diz que ele o faz na tentativa de demarcar seu território, seu espaço. É certo que isso não constitui uma verdade absoluta, porém não foge do nosso saber, principalmente para quem mora ou já morou na zona rural, que o galo de um terreiro dificilmente migra para outro, e se assim o faz, o galo do outro terreiro o expulsa. Os animais em geral constroem seus espaços e não são perigosos se estes são respeitados, isto é, não são invadidos. A serpente, por exemplo, ataca, porém quando se sente ameaçada e quando seu espaço é violado.
Com a espécie humana não é diferente. Desde que nascemos criamos espaços e neles nos sentimos protegidos. Para o bebê, a mãe é o seu espaço; tirá-lo dos braços ou da presença dela lhe é desconfortável, pois ele se sente desprotegido. Eis a questão pela qual os bebês choram quando são tirados dos braços ou da presença da mãe.
Durante nossa vida, criamos vários recintos, e um deles é a nossa casa. Da mesma forma que um bebê se sente confortável e protegido nos braços de sua mãe, assim também nos sentimos quando estamos naquele espaço que o denominamos de minha casa. Esta é um espaço que criamos, e nele ninguém além do proprietário com sua família pode entrar, salvo ele permita, a justiça autorize ou em caso de prestar socorro; fora dessas três condições, torna-se crime por invasão domiciliar.
Contudo, cabe dizer que dentro de uma empresa não é diferente. Nela, cada funcionário tem seu espaço, e este pode estar confinado a um setor, instrumento de trabalho, a um encargo... Certa vez, quando prestava serviço para uma empresa como promotor de vendas, fui até o escritório da tal empresa assinar alguns papéis de contrato; por ter certa afinidade com a pessoa responsável pelas atividades peculiares ao escritório, senti-me muito a vontade: sentei-me na cadeira e, enquanto ela conferia a papelada, eu mexia numas pedrinhas que formavam um triângulo sobre a mesa. O resultado disso é que a pessoa, num tom de voz alterado, disse: “eu odeio quando bolem nessas pedras.” Confesso que, ante tal reação, fiquei sem jeito; todavia, pedi desculpas e acrescentei: jamais imaginaria que o simples fato de mexer em tais pedras fosse te irritar. Então, acalmando-se, ela me respondeu: “o meu espaço de trabalho é sagrado; por isso, tudo o que nele se encontra, assim também o considero”.
Aludindo ao significado da palavra sagrado, oriunda do latim – sacrarium, que quer dizer separar, tornar especial, dei-me conta de que a atitude daquela senhora foi procedente. Na verdade, para ela, não fora simplesmente nas pedrinhas que eu tocara, mas no que as mesmas lhe significavam. A isso os gregos dão o nome de hierofania (algo de sagrado está se revelando para mim). O objeto em si não diz nada, mas sim o que ele representa para uma determinada pessoa; no caso das pedrinhas, pode-se dizer que elas não só compunham como também representavam para aquela pessoa um espaço.
No âmbito profissional, faz-se necessário tais observações. É ingenuidade demais pensar que se pode respeitar a pessoa sem antes respeitar seu espaço. Quem, em vez de reconhecer e respeitar o recinto de trabalho de seu colega, busca criticar, avaliar e desfazer, nada entende sobre relações humanas; portanto, não se relaciona bem com ninguém; assim sendo, não contribuirá para a construção de um ambiente harmônico, quer na empresa onde trabalha, quer na sociedade em geral.
Limitação
Mediante a experiência que fiz no convento, constatei que o ser humano é um ser
de limites, e que sua maior limitação consiste em não aceitar e respeitar a limitação do seu semelhante.
Logo no início de minha estada no convento, era sabido para mim que a primeira preocupação das pessoas consistia em formar um grupo unido, tendo em vista a harmonização do ambiente. Para isso, partimos do pressuposto de que era necessário aprender a conviver com as diferenças e limitações alheias; eis uma tarefa difícil e árdua. Difícil e árdua porque, infelizmente, gostamos mesmo é de julgar, mas julgar o outro. Talvez esse prazer em julgar encontre explicação na seguinte questão: quando julgamos alguém, não simplesmente o julgamos, mas nele projetamos as nossas imperfeições; destarte, somos tomados por uma sensação de perfeição.
Ainda no que tange a questão julgar, é imperioso falar sobre o principezinho que resolveu fazer uma viagem por diversos planetas. Pelos muitos planetas que passara, um deles era minúsculo, sobre o qual reinava um rei. O rei ficou muito contente com a visita do principezinho, o qual, depois de algum tempo, proferiu:
- Não tenho mais nada que fazer aqui - disse ao rei.
- Vou prosseguir minha viagem.
- Não partas – retrucou o rei, que estava orgulhoso de ter um súdito.
- Não partas; eu te faço ministro!
- Ministro de quê?
- Da... da justiça!
- Mas não há ninguém para julgar!
- Nunca se sabe – disse o rei. – Ainda não dei a volta no meu reino. Estou muito velho, não tenho espaço para uma carruagem, e andar cansa-me muito.
- Oh! Mas eu já vi – disse o pequeno príncipe, que se inclinou para dar uma olhadela no outro lado do planeta.
- Não consigo ver ninguém...
- Tu julgarás a ti mesmo – respondeu-lhe o rei. – É o mais difícil. É bem mais difícil julgar a si mesmo que julgar os outros. Se consegues fazer um bom julgamento de ti, és um verdadeiro sábio[1].
Reconhecer suas próprias limitações e aprender a lidar com elas é um excelente e indispensável começo para se criar relações profícuas num grupo, visto que, se assim não procedemos, dificilmente iremos proceder com ulteriores. Julgar ou anarquizar as limitações dos outros consiste numa falta de respeito. Tal fator é o principal responsável pela formação de um ambiente tenso, onde as pessoas ficam propensas às exasperações.
Viver ou trabalhar em grupo é uma arte, a qual se confina aos sábios tais como Sócrates que, ao perceber sua tamanha limitação, não se hesitou em dizer: “só sei que nada sei”.
Papeis
Para que melhor fique esclarecido o que pretendo tecer a respeito de tal tema, me é preferível aludir à Grécia Antiga, na qual o teatro encontra o seu marco. Naquele período, as apresentações teatrais ocorriam numa espécie de arena, ao passo que os atores ficavam distantes da plateia. Com isso, para que eles fossem percebidos e entendidos, usavam, de acordo com o papel representado, grandes máscaras. Tais máscaras eram chamadas de persona; daí a derivação de personagem e personalidade.
Em nossa cultura, chamar alguém de mascarado pode soar como sendo uma ofensa, todavia não há nada de ultrajante nisso. Em nosso cotidiano, exercemos diversos papéis; para tanto, faz-se necessário que, para cada um deles, usemos a máscara adequada, isto é, a personalidade cabível: no trânsito, por exemplo, assumimos a personalidade de motorista; em casa, a de pai ou mãe de família; na faculdade, a de estudante; no trabalho, a personalidade de um profissional. Imaginemos um motorista que, ao volante, resolve adotar a personalidade de um estudante, ou seja, dirige e estuda ao mesmo tempo. Qual seria o resultado disso?
Dentro de uma empresa, todos assumem a personalidade do profissionalismo; porém, cada um de acordo com o papel que desempenha. Tal papel deve ser respeitado por todos, incluindo a própria pessoa que o desempenha; para ilustrar tal questão, é oportuno aludir à figura do gerente.
Certo dia, ao terminar de fazer uma palestra em uma determinada empresa, dois funcionários vieram até mim e falaram que estavam com problemas de relacionamento com o gerente. Buscando a origem do problema, indaguei-os a respeito da conduta do gerente. As respostas foram genéricas: “olha, a conduta dele é positiva, até gostamos de sua pessoa; é um cara legal, mas é que... é que achamos que ele gosta muito de mandar”, disseram. Com isso, percebi que o problema dos funcionários não passava pela pessoa do gerente, mas pelo papel que este desempenhava. Eis uma questão muito comum nas empresas; nem sempre o indivíduo consegue separar a pessoa de seu papel. Suponhamos que João seja gerente de uma determinada empresa. No exercício de suas atividades, ele deixa de ser o João e assume a personalidade peculiar a um gerente; para tanto, deve ser sabido que todas e quaisquer relações não se dão com o João, mas com o papel que ele representa.
O grau das relações (positivo ou negativo) depende do reconhecimento e respeito que se tem ao papel desempenhado por outro. Para o poder judiciário isso é tão claro que o desrespeito ao funcionário público em exercício é considerado uma infração digna de penalidades.
[1] Saint-Exupéry. 2003, pp. 40/41
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