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FESTIVIDADE

ENTÃO, É NATAL

                                                                                                                Por Djalma Andrade

Quis escrever esse texto simplesmente porque é natal. Natal, natal, natal... natal das crianças. Precisamos do natal, precisamos de natal.

            O ano começa com festa e termina com festa. Mas durante o ano, o que temos? Ah, temos festa. O ano só começa depois do carnaval! Eis aí uma frase que nos é familiar. Quem não já ouviu isso? Quem não já falou isso? Eu tiro o chapéu para essa frase.  Seria um crime se o ano começasse antes do carnaval. Precisamos dizer a cada ano que chega o que ele deve trazer e o que não deve trazer; dar-lhe boas-vindas é externalizar o desejo de que ele não traga cosigo pudor, de que não traga recriminação para o tosco que se torna artístico, para o racismo que separa pretos de brancos e pobres de ricos, para o sexo que fugira das quatro paredes, para o bacanal e coisa e tal... que não traga consigo o repúdio a nossa tendência em nos divertirmos com a humilhação social.

Passado esse esbanjamento de instintos, precisamos nos recolher em um ser de culpa, e aí acalmar o primitivo.  Precisamos de um tempo propício para tal. Precisamos de um ritual, precisamos de penitência e coisa e tal...  nossos instintos são demônios, e nos condenam. Precisamos de quaresma, de semana santa. Aqui, dificilmente o homem que somos caberá no homem que pensamos ser. Dados estatísticos revelam que o período no qual se dá a celebração da semana santa, comporta o maior índice de suicídio e homicídio.

 Recolher-se aos instintos unicamente não dá. A extinção da espécie não seria uma opção inteligente.  Precisamos de algo que, para o bem da espécie, amenizem nossos impulsos. E este algo está na cultura.  Precisamos nos identificar com valores culturais, oriundos de um povo, do qual sucedemos. Precisamos de celebrações regionais. Assim como muitas celebrações, a festa junina é uma celebração regional nordestina. O que caracteriza as festas regionais é o fato de que elas só comportam quer na culinária, quer nos costumes, de modo geral, o típico de sua região. A celebração junina antes de ser um encontro com pratos típicos, danças, músicas e tudo mais, é um retorno ás raízes, é a celebração de um “acordo” social e cultural. Nele nos identificamos e tentamos agir conforme seus princípios éticos. Toda compreensão e internalização de valores e acordo social universal passa por aqui.

O ano é muito apressado. Chega às carreiras e vai embora voando. É muito curto, impróprio para mudanças, para evolução. Sem nenhuma cerimônia, nos apresentamos para o adeus do mesmo jeito que nos apresentamos para dar as boas-vindas. É natal. Natal, natal, natal... natal das crianças. Natal é o tempo em que damos início ao adeus a mais um ano, mais um ano que se vai... esse mais um ano que se vai deve levar, como recordação, um pouco daquilo que somos, de nossa originalidade. Daí, natal é tempo de dar presente. Dar presente, dar presente, dar presente... quão torturante não deve ser o natal para um pai de família desempregado? Natal é tempo de ganhar presente. De ganhar presente, de ganhar presente, de ganhar presente... quão torturante não deve ser o natal para uma criança que não pode ganhar presente?

Natal é tempo de confraternização. De confraternização, de confraternização, de confraternização... confraternização nas famílias, confraternização nas empresas. E aí ocorre a famosa troca de presentes (amigo secreto). Amigo secreto, presente secreto. Que bom se assim o fosse. Não existe presente secreto. A embalagem e o cargo que cada funcionário ocupa na empresa denuncia a qualidade do presente. Todo mundo foge da sacolinha da C&A. A embalagem do presente que o chefe segura prende os olhares. Todo mundo torce: “nem pra ele ter me tirado”. E quando o da sacolinha da C&A anuncia meu nome como seu amigo secreto, eis que surgem palmas, um a menos na disputa pelo presente do chefe; em retribuição a minha desclassificação, deixo escapar de meu rosto um riso amarelo e sem graça.

Os presentes são as grandes “cordas” invisíveis que separam pobre de rico, branco de preto, empregado de desempregado... fazemos sexo em público com o nosso ego quando o nosso  presente é cobiçado por todos, é o gozo da não exclusão,  tesão que se alimenta da humilhação social.

Um ano vai, outro ano vem... e tudo é natal, tudo é carnaval, natal carnaval, tudo junto somos nós originais: perversos, egoístas e coisa e tal... então é natal.

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