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PSICOLOGIA E CINEMA

O CISNE NEGRO

                                                                                                   Por Djalma Andrade



 



Opa, eis que desponta ela, parece-me que é a sociedade espetáculo, despida em quem? De certo, em Nina, vestida de Cisne Negro, e destituída, pacificada, pela ausência de sua ambivalência. A plateia delira, mas esquece que para alcançar a beleza desta cena, a queda foi inevitável, é preciso conhecer o chão, certamente em seu aspecto de profundeza, de onde pode vir a essência de cada minucioso movimento do corpo, o qual não escapa às denuncias do essencial.

Eros, thanatos e a fase do espelho. O que prevalece, Freud ou Lacan? Diria que os dois. Contra partida, acredito ter o Lacan pecado pela expressividade, isto é, em o lugar de a “fase do espelho”, “as fases do espelho”; mas, de todo modo, cabe-lhe aqui um desconto: Lacan não assistiu ao filme “Cisne Negro”.

 

Na era da busca pela beleza perfeita, que termina em “espetáculo”, faz-se necessário um espelho para dar razão a Eros (pulsão de vida) ou demarcar a presença de thanatos (pulsão de morte). No espelho, beleza se confunde com angústia, força e franqueza compõem um mesmo ritmo, dor e alegria se perdem e se encontram em um único passo.

 


 

 

A plateia é só uma; nela, a expressão do melhor que o artista Homem pode dar se perde entre os poucos aplausos que se fazem ouvir entre perspectiva e decepção. Se nessa dinâmica dual o espetáculo é o que mais vale, thanatos se manifesta nos mais sutis movimentos corpóreos e, nesse ritmo, a mutilação do corpo encontra terreno fértil.

 


 

 

As cenas do filme são um tanto chocantes, podem levar a certa repulsa e clara angústia. Seria o caminho do masoquismo a construção do feminino em sua potência? Dependendo da linha que tomemos , essa será uma pergunta de muitas respostas possíveis. Nosso corpo conhece a dor e a delícia de ser o que é. Vamos entender aqui “feminino” como algo que suplanta a questão de gênero, conforme indica Birman em seu livro Mal-Estar na Atualidade. O autor nos diz que todos nós, homens e mulheres, temos esse feminino, visto nele a castração, como o lugar da morte e da ausência. Seria a partir desse lugar que, colocando nossa posição limite, entre a vida e a morte, o sujeito pode constituir efetivas possibilidades de sublimação e de criação, pela construção de uma forma singular de existência e de um estilo próprio para habitar seu ser. Nina toca fundo nesta ferida.

 


 

 

E é isso que faz do filme, “o Cisne Negro”, uma explosão de emoções, que leva o telespectador a se despir de suas “roupagens”, revestindo-se, por alguns instantes, com aquilo que lhe é mais próximo, mais verdadeiro, mais seu: a “pele de Nina”, em outras palavras, agressividade e sexualidade (Eros e thanatos).

 


 

 

Durante todo o filme, toda a vida de Nina está voltada para o espelho, um parceiro inseparável. Desse modo, tudo que Nina tem de si é uma imagem externa. E é justamente essa imagem que ela precisa destruir: “a única pessoa em seu caminho é você mesma”, diz Thomas Leroy. A luta se intensifica, o espelho está preste a ser destruído, por conseguinte, uma nova imagem também está por vir. O que nos resta é saber de onde? Teria, tal imagem, ligação com a introdução do pedaço de espelho no corpo de Nina? Tudo me parece simbólico. O espelho agora está em Nina, dito de forma diferente, o reflexo deste é, se assim posso dizer, o reflexo de sua verdade, a partir de si, de sua interioridade. Nina se percebe.

 


 

 

Em suma, para nascer, no corte da negociação egoica diante da sua relação ambivalente com o objeto materno, para dar vazão ao Cisne Negro, Nina ataca seu Cisne Branco, ataca-o como se fosse ele o Cisne Negro, projetando-o em Lilly, mas ao final, totalmente em identificação projetiva, é seu corpo o que sangra e o que salta para a morte. Sorri atingindo a ansiada perfeição, o que vale é a exposição. Palmas e ovação vindas da plateia. Há um toque sereno no sorriso final de Nina. Apaziguadas as fortes oposições no teatro do corpo.
 

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