
A dinâmica da vida onírica na perspectiva freudiana
Por Djalma Andrade
Resumo
O presente estudo tem por finalidade apresentar a dinâmica da vida onírica a partir da teoria psicanalítica, proposta por Freud, que é, na atualidade, a principal referência no assunto. Para o atendimento do objetivo proposto, este estudo se inclina à questão que envolve os olhares à vida onírica, sendo estes antecedentes a psicanálise freudiana; em outras palavras, veremos o modo pelo qual os sonhos eram vistos e interpretados entes e pós Freud.
Palavras – chave: sonho, psicanálise, vida de vigília, inconsciente.
Introdução
Falar da vida onírica, dentro da teoria freudiana, implica considerar a complexidade da qual a mesma se reveste. Na esfera do sonho, não foge de nosso saber que esta, em idade remota, já atraia a necessidade de interpretação, de um significado. Da mesma forma que somos sabedores disso, assim também deveremos nos comportar frente à teoria freudiana a respeito dos sonhos; ou seja, não cabe aqui uma desatenção ao interesse de Freud à vida onírica. Na manifestação desta, o autor encontra elementos necessários à compreensão da dinâmica do aparelho psíquico. O que antes fazia parte do plano divino, portanto fora do homem; na teoria freudiana, ganha nova direção, não podendo ser analisado senão a partir do indivíduo, da história de vida de cada um. Com isso, Freud apresenta um novo homem, que se relaciona com seus desejos, mas que também os reprime; é aqui que a interpretação do sonho ganha sua importância e se reveste de significado que não deixa às margens da percepção as atividades psicológicas.
Antes de Freud
Desde, ou até mesmo antes, da antiguidade clássica, o sonho já ocupara seu lugar na vida do Homem. Antes da época de Aristóteles, os antigos viam a vida onírica não como um alvitre da mente que sonha, mas como algo engranzado por uma instância divina. Era um meio de comunicação pelo qual os deuses se utilizavam para advertir ao ser humano. Naquele período, encontramos duas correntes antagônicas que influenciavam a interpretação dos sonhos: “traçou-se a distinção entre os sonhos verdadeiros e válidos, enviados ao indivíduo adormecido para adverti-lo ou predizer-lhe o futuro, e os sonhos vãos, falazes e destituídos de valor, cuja finalidade era desorientá-lo ou destrói-lo” (Freud, 1900, p. 40).
Interessa-nos saber que tal concepção não reinou em absoluto, atravessando séculos, a espera da psicanálise para desmistificá-la. A respeito disso, o próprio Freud, aludindo a Aristóteles, faz a seguinte consideração:
Nas duas obras de Aristóteles que versam sobre os sonhos, eles já se tornaram objeto de estudo psicológico. Informa-nos as referidas obras que os sonhos não são enviados pelos deuses e não são de natureza divina, mas que são “demoníacos”, visto que a natureza é “demoníaca”, e não divina. Os sonhos, em outras palavras, não decorrem de manifestações sobrenaturais, mas seguem as leis do espírito humano, embora este, é verdade, seja afim do divino. Definem-se os sonhos como a atividade mental de quem dorme, na medida em que esteja adormecido. Aristóteles estava ciente de algumas características da vida onírica. Sabia, por exemplo, que os sonhos dão uma construção ampliada aos pequenos estímulos que surgem durante o sono. “Os homens pensam estar caminhado no meio do fogo e sentem um calor enorme, quando há apenas um pequeno aquecimento em certas partes.” E dessa circunstância infere ele a conclusão de que os sonhos podem muito bem revelar a um médico os primeiros sinais de alguma alteração corporal que não tinha sido observada na vida de vigília (Ibidem).
É de considerável importância perceber que o olhar aristotélico sobre a vida onírica nos coloca diante de, pelo menos, duas questões de cunho familiar. Isso porque as encontraremos também como parte construtora da teoria freudiana a respeito dos sonhos: os sonhos dão uma construção ampliada aos pequenos estímulos que surgem durante o sono; os sonhos como sinalizadores de possíveis sintomas. Na primeira, segundo Freud, se uma pessoa dorme atravessado na cama, de modo que seus pés fiquem fora da mesma, é possível que ela sonhe caindo num precipício; do mesmo modo, o ruído de uma porta que abre, pode levar o indivíduo a sonhar que tem um ladrão invadindo a casa; mais ainda, caso o cobertor de alguém que dorme seja retirado, não é estranho, portanto, que esse alguém venha sonhar andando despido em vias públicas ou lugares outros. A isso, Freud denomina de Estímulos Sensoriais Externos.
Na segunda, o caráter sinalizador dos sonhos, proposto por Aristóteles e, depois, defendido por Freud, não se confunde, em hipótese alguma, com manifestações sobrenaturais, isto é, instância divina. A lógica é outra, e não deve ser analisada externamente ao homem, mas dentro de moldes que considerem a dinâmica funcional do organismo, a relação que tem este com as atividades psíquicas, mesmo aquelas intrínseca à vida onírica. A esse caráter sinalizador do sonho, Freud admite advir dos Estímulos Somáticos Orgânicos Internos: “os distúrbios pronunciados dos órgãos frequência dos sonhos de angústia nas doenças do coração e dos pulmões é geralmente admitida” (ibidem, P. 71).
O posicionamento de Freud a cerca da vida onírica pode ser melhor compreendido em sua obra que versa sobre a vida onírica, A interpretação dos sonhos.
A interpretação dos sonhos à luz da psicanálise
Não precisaremos de muitos esforços para entender a importância que Freud atribuiu à vida onírica, basta sinalizarmos que o próprio autor considera a sua obra, A interpretação dos sonhos, a mais importante de todas. Isso, em si, é o suficiente à compreensão do caminho que faz Sigmund Freud em torno do assunto.
“Em a interpretação dos sonhos, Freud lança as ideias inovadoras que não apenas vão revolucionar a compreensão dos sonhos que se tinha até então, como também proporcionarão um esclarecimento inédito sobre o funcionamento do pensamento e da linguagem” (QUINODOZ, 2007, p. 47). Vale notar que, naquele momento, “Freud defendia ali a tese de que o sonho é uma atividade psíquica organizada, diferente da atividade de vigília, e que tem suas próprias leis, opondo-se tanto às concepções populares como à opinião científica” (ibidem).
Em regras gerias, o próprio Freud define a interpretação dos sonhos em poucas palavras: “é via régia que conduz ao conhecimento do inconsciente da vida psíquica” (FREUD, apud QUINODOZ, ibidem).
Com essa definição, parece-nos que Freud vai além de uma elucidação do sonho noturno, pois “ao propor em a interpretação dos sonhos uma concepção geral do funcionamento psíquico, seja normal ou patológico, Freud estabelece os fundamentos da psicanálise sob seus diferentes aspectos – clínico, técnico e teórico” (ibidem).
No rol de todo um cuidado, Freud não defende a compreensão do conteúdo do sonho isoladamente. Para ele, esse é um caminho raso, e não capta com veracidade o sinto do sonho. Para Freud, isso pede um método, pelo meio do qual se pode captar o sentido mais refinado do sonho. E a esse método de investigação ele deu o nome de associação livre. “Por esse método, descobriu que os sonhos têm um sentido, do mesmo modo que descobrira que os sintomas histéricos, as fobias, as obsessões e os delírios têm um sentido e podem ser interpretados” (ibidem, pp. 49-50).
No que diz respeito ao conteúdo dos sonhos, Freud sinaliza que este deve ser levado em consideração dentro de dois momentos, isto é, no primeiro momento, tem-se o conteúdo (manifesto) tal como é narrado, no segundo momento, trata-se de um conteúdo (latente) cuja clareza do significado só aparece depois que o sonho é decifrado à luz de associações do paciente. Freud defende o acesso à clareza do significado via esse percurso, justamente porque sua tese se corrobora na ideia de que o sonho é a realização de um desejo que em outrora fora recalcado/reprimido, passado a fazer, desse modo, parte do inconsciente.
No que tange os conteúdos do sonho, Quinodoz (ibidem, pp. 51-52) afirma haver mecanismos pelos quais é dissimulada a realização de um desejo para que não apareça no conteúdo manifesto. Segundo o autor, são cinco:
Condensação: “consiste em reunir em um único elemento vários elementos – imagens, pensamento e etc. – pertencentes a diferentes cadeias de associação”.
Deslocamento: “Graças ao mecanismo de deslocamento, o trabalho do sonho substitui os pensamentos mais significativos de um sonho por pensamentos acessórios, de nodo que o conteúdo importante de um sonho é desfocado e dissimulado a realização do desejo”.
Procedimento de representação: “Trata-se da operação pela qual o trabalho do sonho transforma os pensamentos do sonho em imagens, sobretudo visuais”.
Elaboração secundária: “Consiste em apresentar o conteúdo onírico sob a forma de um cenário coerente e inteligível. Trata-se de um mecanismo que acompanha a formação a formação de um sonho em cada etapa, mas o efeito deste é mais visível no estado de vigília”.
Dramatização: “Consiste em transformar um pensamento em uma situação, procedimento análogo ao trabalho que realiza o diretor de teatro quando transpões um texto escrito para a representação”.
Apesar de o foco de Freud estar para a vida onírica, ele não descarta a influência da vida de vigília à formação do sonho, isso ele nomeia de resto diurno: nessa lógica, ele acredita que o cenário do sonho se articula sempre em torno de acontecimentos ocorridos durante o dia, que têm uma relação mais ou menos próxima com o desejo inconsciente que se realiza nos sonhos.
No bojo da exposição da teoria em pauta, Freud ainda defende também a uma espécie de deformação dos sonhos, e isso se dá, segundo ele, por causa de uma dinâmica que ele a denomina de censura. Trata-se, em via de regras, de uma instância presente entre consciente e inconsciente, que possibilita unicamente a passagem do que lhe é agradável. O que aí é retido encontra-se no estado de repressão, e forma o reprimido.
É de singular importância salientar que, para Freud, um aprofundamento a cerca da análise dos sonhos nos revelaria, quase sempre, que seu conteúdo latente esbarra na realização de um desejo que se inscreve no plano do erótico, oriundo, principalmente da sexualidade infantil, “que fornecem as forças pulsionais mais numerosas e poderosas que concorrem para a formação dos sonhos” (FREUD, 1900, p. 134).
Todo esse processo no qual se corrobora a vida onírica não é dicotômico aos elementos simbólicos, que Freud considera de grande importância à formação e interpretação dos sonhos, “pois o símbolo permite à pessoa que sonha contornar a censura despojando as representações sexuais de sua inteligibilidade” (QUINODOZ, 2007, p. 52). Desse modo, vale destacar que Freud distingue dois tipos de símbolos: “de um lado os símbolos universais que decorrem da chave dos sonhos utilizada desde a antiguidade e, de outro, os símbolos individuais, que decorre da simbólica própria de quem sonha” (ibidem, pp. 52-53).
Considerações finais
Vimos que, Para Freud, o conteúdo do sonho é quase sempre o resultado de desejos reprimidos, os quais deixaram a esfera consciente, passando, assim, à instância do inconsciente. Desse modo, segundo o autor, o sonho é um caminho pelo qual se pode chegar ao inconsciente. Portanto, a interpretação dos sonhos desvela, sobretudo, os conteúdos mentais, pensamentos, dados e experiências que foram reprimidos ou recalcadas, excluídos da consciência pelas atividades de defesa do ego e superego e enviadas para o inconsciente. A parte do id cujo acesso à consciência foi impedido, é exatamente a que se encontra envolvida na origem das neuroses. Portanto, o interesse de Freud pelos sonhos teve origem no fato de constituírem eles processos normais, com os quais todos estão familiarizados, mas que exemplificam processos atuantes na formação dos sintomas neuróticos.
Referência Bibliográfica
FREUD, Sigmund. Interpretação dos sonhos - Ed, Imago, Rio de Janeiro, 1900, ps. 40,71.
QUINODOZ, Jean-Mechel. Ler Freud: guia de leitura da obra de S. Freud. Porto Alegre, ed. Artmed, 2007.